“É possível fazer turismo regenerativo, de qualidade, com viabilidade financeira”

Por a 29 de Julho de 2021 as 9:57

Falta menos de um ano para nascer, em S. Francisco da Serra, concelho de Santiago do Cacém, um eco-luxury hotel que servirá como uma instalação-piloto de turismo sustentável em Portugal, implementado os princípios da economia circular.

Laura Moreira, co-founder e manager do projeto Tellus – Rethinking Tourism

A unidade, que será alvo de um investimento de 1,3 milhões de euros – 500 mil correspondem ao financiamento EEA Grants – é da responsabilidade da portuguesa Tellus Origo, Serviços & Consultoria, Lda em parceria com a norueguesa Reframe Arkitektur

O quatro estrelas, cuja data de inauguração está definida para abril de 2022,  terá uma oferta de  12 quartos de duas tipologias (suítes e casas), divididos por cinco edifícios, uma zona de bar e de restauração, uma piscina, spa, várias zonas de lazer e percursos com atividades de turismo de natureza.

Como surgiu a ideia de criar o projeto Tellus?
A ideia do projeto Tellus nasceu em meados de maio de 2019, quando comecei a aprofundar o meu interesse e a desenvolver o meu conhecimento sobre economia circular. Em junho, contactámos uma empresa de arquitetura para ter uma opinião sobre o quão realista era a nossa ideia. Desenvolvemos em conjunto com uma economista um plano de negócios e, em meados de agosto, já sabíamos a dimensão do projeto e custos associados.
Por esta altura surgiu a possibilidade de participarmos numa conferência sobre Economia Circular em Oslo, organizada pela Secretaria Geral do Ambiente que gere o fundo EEA Grants em Portugal. A conferência permitia a realização de reuniões com empresas que achássemos que poderiam colaborar nos projetos, e, foi nesse momento, que conhecemos o nosso parceiro Daniel Tabacaru da empresa REFRAME. Concluímos que havia um interesse mútuo em colaborar e decidimos candidatar-nos à Call#2 da EEA Grants – Promoção da Economia Circular no Setor da Construção. Foram cerca de dois meses de trabalho intenso, pois decidimos fazer a candidatura nós mesmos, sem recorrer a empresas de consultoria. Após alguns meses de espera, fomos informados que tínhamos sido selecionados.
A partir daí,  os trabalhos começaram a decorrer mais intensamente – conseguir a licença do projeto de arquitetura, candidatura à Linha de Apoio à Qualificação da Oferta do Turismo de Portugal, recrutar equipas de especialidades, avançar no plano de comunicação proposto, e consolidar com reuniões semanais, especialmente nesta época de pandemia em que não podíamos estar fisicamente todos juntos. Acabámos de entregar os projetos de especialidades à Câmara de Santiago, que tem sido extraordinária na sua disponibilidade e ajuda com todas as nossas questões.

A Economia Circular e o Turismo Regenerativo são dois pilares do eco-resort. De que forma se vão manifestar na unidade?
A Economia Circular é o principal pilar do nosso projeto. A inclusão dos princípios da economia circular como uma mais-valia no nosso modelo de negócios permite-nos uma vantagem competitiva, e cria um modelo disruptivo para os setores do turismo e construção. Incorporámos também um plano de formação anual, de forma a disseminar informação, conhecimento e ferramentas que facilitam a transição para um modelo circular de economia,  e que podem facilmente ser adotados pelo público em geral.
Na unidade, além de estar disponível um “Living Labs Tour” cujo enfoque é na forma como foi incorporado o conceito de economia circular no projeto, explicado de forma acessível para todos, também teremos apostas nos tours de natureza.

Quais serão as principais diferenças entre esta unidade e uma unidade hoteleira convencional?
Começando pela construção, todos os elementos, os materiais, o número de unidades e a sua distribuição no terreno, tudo foi pensado para minimizar o impacto ambiental. Um dos principais componentes de construção são painéis com selo de certificação ‘Cradle to Cradle’ e ‘Passive House Standards’, que têm 98% de materiais naturais e permitem a desconstrução e reutilização.
Vamos ter também energia solar, coleção de águas pluviais, e uma elevada percentagem de materiais que não provêm de matérias-primas. Vamos apostar em materiais provenientes de economias de partilha, no upcycling e na divulgação aberta de todas estas iniciativas junto dos nossos hóspedes.

Que desafios aponta à construção deste projeto?
Desenvolver um projeto de economia circular e turismo regenerativo, ambos conceitos muito recentes, especialmente em tempo de pandemia, é complexo e requer muita flexibilidade e capacidade de adaptação, e muita criatividade para resolver problemas que em tempos ditos “normais” não se colocariam.
O projeto nasceu e está em desenvolvimento desde 2019. O financiamento que obtivemos da EEA Grants, gerido em Portugal pela Secretaria de Estado do Ambiente, foi uma grande motivação para continuar. Mas, acima de tudo, acreditamos que a pandemia já estará suficientemente ultrapassada na data de abertura e que o modelo de hotelaria que propomos é ideal para a realidade expectável do turismo pós-pandemia.

Além das questões relativas à construção, já referidas, de que forma a sustentabilidade estará presente nos vários espaços do hotel?
Com este projeto quisemos introduzir o conceito de turismo regenerativo, bem como da Economia Circular, não só na construção, mas também na utilização dos espaços. Exemplos disto serão as marcas vegan que iremos utilizar no spa, o conceito ‘paperless’ que irá ser adotado em toda a unidade, o conceito de ‘farm-to-table’ e ‘plant-based’ no restaurante, a compostagem feita localmente, o tratamento e reutilização de águas cinzentas, a utilização de energia produzida por fontes alternativas (solar), bem como os workshops de temáticas dentro do conceito da economia circular.

Considera que será um exemplo a seguir para o restante setor hoteleiro nacional?
Um dos nossos objetivos é exatamente esse: provar que é possível fazer turismo regenerativo, de qualidade, com viabilidade financeira, bem como partilhar todas as nossas aprendizagens e redes de contactos criadas para o efeito.
Estamos abertos e recetivos a parcerias e queremos multiplicar o conhecimento adquirido com todo o setor. Começamos já esta semana com a realização de uma parceria com a Escola Superior de Turismo e Hotelaria de Lisboa, para darmos ações de formação sobre Economia Circular & Turismo Regenerativo ao corpo estudantil e ao staff.

Os custos associados ao desenvolvimento do projeto são mais elevados do uma unidade tradicional? E a operação em si será mais dispendiosa?
A resposta é sim, infelizmente. Um dos maiores desafios é conseguirmos adquirir e contratar todos os serviços e materiais necessários com o ‘budget’ estimado e possível. A falta de procura e conhecimento faz com que este mercado de produtos sustentáveis e circulares seja ainda pequeno e difícil de encontrar. Mas esta realidade mudará à medida que a procura e oferta aumentem. E ainda assim temos tido sucesso e estamos a conseguir atingir os objetivos. O próximo passo é a adjudicação de empresa de construção.
Um dos nossos objetivos é também dotar o setor da construção de conhecimentos específicos no ambito da Economia Circular, e para tal contamos também com formação interna à equipa, dada pelo nosso parceiro Daniel Tabacaru, da empresa REFRAME

Que experiência se espera que o hóspede tenha?
Esperamos que o nosso hóspede tenha uma experiência de qualidade e sustentabilidade. Quem quiser fazer férias em repouso absoluto, poderá fazê-lo, usufruindo dos espaços exclusivos que temos. Quem quiser férias ativas também o poderá fazer – existirá oferta para tal. Para nós, o mais importante é que em cada passo dado dentro da unidade o hóspede possa ver e sentir que está a fazer turismo de modo sustentável, sem abdicar do luxo e conforto.

Anunciaram a criação de atividades relacionadas com a natureza no hotel. Quais serão as apostas?
Teremos um leque de opções para quem ficar no hotel, e também para quem vier de fora, com componentes lúdicas e educativas. Todas as atividades serão centradas no prazer da descoberta e gozo dos espaços naturais de modo sustentável e respeitoso da vida de animais e plantas.

 

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