Hoteleiros com dificuldade em contratar para o verão. Algarve é região mais afetada

Por a 20 de Agosto de 2021 as 10:24

O tema tão familiar à hotelaria nacional volta para cima da mesa. Depois de um interregno provocado pela pandemia, com a reabertura dos hotéis e a retoma do turismo a discussão sobre a dificuldade em contratar mão-de-obra qualificada volta a ser assunto do dia.

Até 2019 este era indicado como o maior desafio do setor. Com o turismo nacional a viver os melhores anos de sempre, a elevada oferta dificultava a retenção de talentos nas mais diversas funções. Os empresários apontavam uma taxa expressiva de ‘turnover’ provocada pela competição no mercado.

Depois do período mais negro para o turismo do país, a falta de trabalhadores nas unidades hoteleiras é outra vez referida como um constrangimento à operação. Com uma perspetiva mais otimista para este verão face a 2020, muitos foram os grupos que abriram vagas para suprir as necessidades da época alta.

A mudança de carreira/setor durante o último ano em que o turismo esteve de portas encerradas é uma das justificações apontadas pelos responsáveis de recursos humanos dos hotéis. O facto de ainda vigorarem apoios como o ‘lay off’ ou de haver trabalhadores a receber o subsídio de desemprego é outro dos caminhos que justificam a dificuldade de contratação no setor na opinião dos responsáveis ouvidos pela Publituris Hotelaria.

Apesar da dificuldade ser transversal de Norte a Sul, é do Algarve que chegam mais queixas. A Associação da Hotelaria de Portugal tinha já sinalizado o cenário referindo que dificuldade em contratar mão-de-obra para fazer face à operação da época é um dos maiores problemas do verão. A associação realizou um inquérito aos seus associados e concluiu que 68% das unidades tem intenções de contratação sazonal mas 64% diz não estar a conseguir recrutar extras.

“É algo que temos sentido muitíssimo, sinalizado por todo o país mas particularmente mais gravoso no Algarve, na região Centro e nalgumas sub-regiões do Alentejo. De facto, há muita dificuldade de contratação de trabalhadores. Alguns destes trabalhadores fizeram um ‘shift’ para outras áreas, outros ainda estão a receber subsídio de desemprego e, portanto, há também alguma dificuldade em aceitar trabalho temporário quando ainda estão a receber o subsídio”, explicou a vice-presidente executiva da AHP, Cristina Siza Vieira.

Algarve é a região mais desafiante para a contratação
O grupo United Investments Portugal (UIP) abriu recentemente 260 vagas de emprego para as várias unidades no país. No Algarve, o grupo conseguiu preencher 55% das posições e em Cascais 70%. Já no Porto todas as oportunidade de emprego foram ocupadas.

“Sentimos dificuldades da contratação. As funções de housekeeping são sempre das mais complicadas, pela exigência da função, esforço fisico do trabalho e porque são das que normalmente têm associada uma remuneração mais baixa; e as funções de serviço na área de alimentos e bebidas, pois são das mais complicadas para o chamado “Work Life Balance”, explica Jaime Sarmento, Diretor de Recursos Humanos UIP.

Também o Jupiter Hotel Group assume o desafio de encontrar mão-de-obra para o verão no Algarve. O Jupiter Albufeira Hotel conseguiu contratar 175 pessoas para as 200 vagas de verão em aberto. “Além da escassez em termos de escolas hoteleiras no nosso país, e por se tratar de uma atividade maioritariamente sazonal, os contratos de trabalho efetuados são, na maioria das vezes, de duração inferior ao que a atual situação de desemprego prevê, logo acabam por ficar nos restantes meses desempregados e sem acesso ao subsidio de desemprego. Assim sendo, há candidatos que declinam aceitar contratos sazonais/curta duração com receio de perder o direito ao fundo de desemprego, outro motivo prende-se também com o trabalhar por turnos”, justifica o grupo.

A Discovery Hotel Management alinha com os seus pares e, depois de anunciar 100 vagas para as suas 18 unidades no país, admite que foi no Algarve que a tarefa se revelou mais desafiante. “O setor está a passar possivelmente pela maior crise que alguma vez conheceu, nem mesmo na crise financeira de 2008 o setor foi tão afetado, como tal temos assistido à migração de profissionais que procuram noutras áreas uma oportunidade de carreira. Por outro lado, o prolongamento dos subsídios e apoios por parte do Governo, tem feito com que os profissionais não sintam necessidades de uma procura mais ativa”, acrescenta Mara Leitão, diretora de Recursos Humanos da DHM.

A falta de mão-de-obra no Algarve não é uma novidade e há uma série de fatores que dificultam ainda mais a atração de talentos, relembra Jaime Sarmento. “Existem dificuldades na indústria em geral, pelas suas características que dificulta o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, sendo mais desafiante para a qualidade de vida. A principal região turística do país, o Algarve, enfrenta igualmente as dificuldade da fraca densidade populacional que claramente influencia a existência de maior oferta de trabalho do que procura do mesmo, isto apesar de ter sido uma das regiões com maior influência no aumento dos números de desemprego resultante da pandemia. No entanto, houve um retorno às regiões de origem de muitos profissionais que trabalhavam no Algarve. Além disso, há anos que a região peca pela escassez de oferta habitacional e inexistência de rede de transportes que facilite a mobilidade de profissionais na região. São vários os detalhes que nos dificultam, assim como à industria, principalmente no Algarve a satisfação das necessidades profissionais”.

Sazonalidade, políticas governamentais e dificuldade de comunicação são motivos apontados
Apesar de os vários responsáveis admitirem a exigência que muitas profissões da indústria acarretam aliada aos salários nem sem atrativos, a maioria descarta que este seja o motivo principal para a dificuldade em contratar.
“O setor sempre exigiu horários rotativos e alargados aliado a salários pouco atrativos mas nunca como este ano se sentiu as dificuldades no recrutamento”, defende a porta-voz da DHM. A posição é partilhada pelo grupo Jupiter:

“Em termos de carga horária, é semelhante a qualquer setor, são as 40 horas semanais contudo os horários são rotativos e por turnos. A hotelaria é um setor que está intrinsecamente ligado à volatilidade das taxas de ocupação havendo períodos de picos de ocupação e consequentemente acréscimo de trabalho e outros bastante mais calmos. A sazonalidade traz grande incerteza e falta de estabilidade, e sem ambas independentemente do salário a profissão pode não ser tão atraente”.

O diretor de recursos humanos da UIP assume que o trabalho no setor tem alicerçada uma exigência física e emocial elevada mas acredita que há também um problema em explicar claramente as condições de muitas profissões o que contribui para alimentar o um falso estigma sobre muitas posições. “Existe alguma incapacidade por parte da indústria em comunicar para o exterior, de forma efetiva, benefícios que existem na mesma, que complementam a componente remunerativa e que não deixam de ser atrativas. Por outro lado, a carga horária não é maior do que em muitas outras atividades económicas e obviamente de acordo com a legislação laboral em vigor. No entanto, sendo uma indústria que está operacional 24 horas por dia, transmite essa perceção para o exterior. Existe uma exigência física considerável, e em algumas funções emocional, para o exercício de uma série de funções na atividade hoteleira. No entanto existe também uma percepção social negativa sobre uma série de funções que são chave na indústria. Existe um preconceito social sobre a valorização de algumas funções, e este preconceito também impacta as dificuldades de recrutamento para algumas posições na hotelaria”, analisa Jaime Sarmento.

Além de todos os motivos enumerados, há outro fator que está a dificultar a operação de verão e que o grupo Jupiter soma aos anteriores. “Outra das questões que estão implícitas para a contratação ou subcontratação de pessoal deve-se ainda à flutuação diária das politicas governamentais que fazem com que as ocupações não estejam constantes, sendo necessário fazer esta gestão ao dia. Semanalmente vemos um decréscimo de ocupações ou uma subida drástica de reservas consoante a situação sanitária nacional e internacional. O que torna bastante difícil prever também as necessidades de pessoal a colocar, com toda a carga remuneratória e fiscal envolvida e infelizmente a nossa lei laboral não acompanha esta evolução”, conclui a administração do grupo português.

*Artigo publicado na edição 185 da revista Publituris Hotelaria

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