Alentejo foi sol num ano de chuva para a hotelaria nacional

Por a 9 de Dezembro de 2020 as 7:00

O ano tem sido atípico para a hotelaria nacional, uma das frentes mais afetadas pelas consequências da pandemia da COVID-19. Depois da primeira metade de 2020 de portas fechadas, os meses de verão trouxeram uma lufada de ar fresco às contas do setor que, no cômputo geral do ano, perspetiva uma quebra geral de receitas que pode atingir os 80% até ao próximo mês de dezembro.
O período de verão amenizou a tesouraria dos hotéis que, amparada em grande parte pelo mercado interno, conseguiu um balão de oxigénio.

O Alentejo tem sido o destino nacional com melhor performance nos principais indicadores  face ao resto do país bem como o destino com a menor diminuição do número de dormidas de hóspedes tanto nacionais como estrangeiros.

“O Alentejo, e nomeadamente Évora, foi das regiões mais visitadas pelos turistas nacionais que nos permitiram que conseguíssemos uma melhor ocupação nos meses de verão, mas foram apenas nos meses de julho, agosto e setembro. Foi uma boa ajuda na redução do prejuízo desta unidade hoteleira”, explica Miguel Breyner, diretor-geral do Évora Hotel.

Cenário idêntico é traçado por Roberto Agostinho, diretor geral do Hotel da Barrosinha, em Alcácer do Sal: “Depois do encerramento da unidade em março, reabrimos em junho com expetativas moderadas apontando para taxas de ocupação na ordem dos 30% a 40% durante os meses de verão. A procura nos meses de verão superou as nossas expetativas e terminamos os meses de julho e agosto com taxas de ocupação de 46% e 79%, respetivamente. O preço médio manteve  se ou subiu ligeiramente face a 2019. Os pontos de restauração superaram a receita estimada nos meses de verão em cerca de 15%.”

Entre janeiro e agosto, o Alentejo foi o destino com a menor diminuição do número de dormidas (-38,6%), comparando com o período homólogo, face à média nacional que registou quebras de -62,5%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística  (INE).

Hotéis alentejanos venderam mais caro
A elevada procura no destino empurrou os preços para cima contrariando a realidade dos restantes destinos nacionais. Só entre junho e setembro os preços caíram 25% nos hotéis em Portugal mas, apesar do cenário de crise, o Alentejo conseguiu vender mais caro, de acordo com os dados da IV fase do Inquérito ‘Impacto da COVID-19 na hotelaria’, da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP).

O INE destaca agosto como o mês com melhor performance para o destino que registou um RevPAR (rendimento médio por quarto disponível) de 71,4 euros, uma subida de 1,4% quando os restantes hotéis do país sofreram, em média, um recuo -44% neste indicador. Já o ADR (rendimento médio por quarto ocupado) no Alentejo foi de 127,5 euros (+11,8%).

“Em 2020, ao contrário do mercado, temos um indicador que cresceu substancialmente: o preço médio. Isto deveu-se à grande procura que tivemos nos meses de verão e ao facto de o Torre de Palma ser um hotel muito exclusivo com apenas 19 quartos, muito espaço ao ar livre e atividades de natureza e, por isso, muito favorável ao contexto atual”, confirma Luísa Rebelo, proprietária do Torre de Palma Wine Hotel, em Monforte. Ainda olhando para os primeiros oito meses de 2020 os proveitos na região foram de 78,4 milhões de euros, uma quebra de -35,9%, valor que fica abaixo da média nacional, que sofreu quebras de -65,4%.

Já o responsável pelo Évora Hotel, admite o sucesso destes indicadores mas alerta para a redução da capacidade hoteleira face ao ano passado. “A grande maioria dos hotéis reabriu com uma oferta reduzida de número de camas. Nós reabrimos com 60% da nossa capacidade, pois tivemos de reduzir a lotação dos nossos restaurantes, bares e piscina para podermos cumprir com toda a segurança as normas sanitárias sugeridas pela Direção Geral de Saúde (DGS). Assim, poderei afirmar que tivemos taxas de ocupação muito elevadas dado do decréscimo da oferta. Uma vez que decresceu a oferta ajustámos também os nossos preços com um ligeiro acréscimo, pois convém também lembrar que os nossos custos devido à pandemia sofreram também um forte incremento”, sustenta.

No Teima Alentejo SW, na vila de São Teotónio, em Odemira, apesar de o balanço destes meses ter sido positivo não foi, ainda assim, suficiente para equilibrar as perdas do ano. A taxa de ocupação, que entre janeiro e outubro de 2019 se situou nos 66,8%, caiu para os 47,3% este ano. O RevPar desceu para os 89,37 euros (101,19 no ano passado) e o ADR subiu para os 197,39 euros (186,77 em 2019). A unidade irá encerrar este mês, tendo a reabertura agendada para fevereiro de 2021. “A ocupação foi muito boa entre 15 de maio a 15 de outubro e equilibrou o período de confinamento, em que estivemos fechados durante dois meses e meio. Não foi, no entanto, o suficiente para sair do prejuízo em que o contexto de pandemia nos colocou”, lamenta a proprietária Luísa Botelho.

Mercado interno alimentou o destino
Com as limitações impostas pela pandemia da COVID-19, as férias este ano foram repensadas e a velha máxima do “ir para fora cá dentro’’ nunca fez tanto sentido. Por isso mesmo, o principal mercado dos hotéis nacionais foi o doméstico. No caso do Alentejo, seguiu-se a Espanha e a França, ainda citando os associados da região inquiridos pela AHP.

“O ano passado tivemos 60% de mercado internacional face a 40% de mercado doméstico. Os principais mercados internacionais foram os Estados Unidos e o Brasil, que este ano não viajaram. No entanto, o mercado doméstico teve uma procura fantástica que fez com que tivéssemos excelentes ocupações desde a reabertura em junho”, analisa a porta-voz do Torre de Palma Wine Hotel. Também no Évora Hotel foram os hóspedes que moram em Portugal que fizeram a operação da unidade mexer. “No ano passado, os nossos principais mercados foram o nacional, asiático, brasileiro, espanhol, francês e alemão. Já este ano, 90% dos nossos hóspedes são portugueses. Este é um mercado que, na minha opinião, é dos melhores, pois são bons consumidores, e consomem todo o  ano”, prossegue Miguel Breyner.

Tranquilidade e segurança atraem turistas nacionais
A performance do Alentejo face ao restante mapa nacional é destaque num ano em que poucas têm sido as surpresas pela positiva.
Em agosto, o destino viu ainda as dormidas de residentes aumentarem +3,9% quando, no resto do país, caíram -2,1%. A estada média na região subiu 12,2% face a 2019, quando, na média nacional, recuou -5,5%.

Atrás destes números há vários fatores que têm contribuído para o seu incremento. “O perfil das unidades – rurais, com poucos quartos, mais pequenas mas com muito espaço envolvente – a possibilidade de distanciamento, a menor densidade populacional e a vivência ao ar livre, aproveitando a natureza em redor, conjugados com as medidas anti-COVID muito rigorosas que implementámos (inclusive com o selo ‘Clean & Safe’) exponenciou a confiança por parte dos turistas. O que sentimos, por exemplo, é que muitas das reservas foram feitas por recomendação”, enumera a proprietária do Teima SW, Alentejo. A responsável do Torre de Palma Wine Hotel concorda: “os portugueses valorizaram o Alentejo por várias razões: o facto de ser um território de baixa densidade populacional, onde podem encontrar experiências diversas ligadas à natureza, à gastronomia, às experiências vínicas e também culturais. Ainda o facto de ter unidades e estruturas de turismo de altíssima qualidade que se afirmaram como a solução certa para estes tempos”.

Natal é esperança para a operação de dezembro
Na IV fase do Inquérito AHP ‘Impacto da COVID-19 na hotelaria’, realizado entre 21 de setembro e 15 de outubro, os hoteleiros da região diziam perspetivar uma taxa de ocupação de 33% para o mês de outubro. À data de fecho desta edição ainda não eram conhecidos os dados oficiais relativos ao décimo mês deste longo ano para a praça hoteleira nacional. Com a restrição de circulação entre concelhos imposta pelo governo no último fim-de-semana de outubro, altura do feriado de Todos os Santos, a realidade ficou, muito provavelmente, aquém do expectável devido aos cancelamentos de reservas que se somaram. Ainda de acordo com a associação hoteleira, em novembro e dezembro os hotéis do Alentejo perspetivavam uma taxa de ocupação de 12%. Todos estes dados foram recolhidos antes do anúncio do
novo Estado de Emergência.

“Cada vez mais é difícil conseguirmos prever o dia de amanhã. Estamos a trabalhar nos feriados de dezembro, festas de Natal e passagem de ano. Sentimos uma forte vontade dos nossos clientes em virem para o nosso hotel para celebrarem estas festividades como habitualmente o têm feito. Temos previsto um congresso ainda em novembro com cerca de 100 pessoas (25% da nossa capacidade habitual)”, indica o diretor-geral  do Évora Hotel.

Luísa Rebelo, proprietária de Torre de Palma Wine Hotel, partilha com o seu par a fé nas festividades natalícias mas sempre de pé atrás: “a nossa perspetiva é de muita apreensão e preocupação pois temos uma grande aposta no mês de dezembro com as pontes de feriados, Natal e Passagem de Ano e estamos com muitas dúvidas de que os portugueses possam viajar nessas alturas”, conclui.

*Artigo publicado na edição de novembro da revista Publituris Hotelaria

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