Opinião: Hospitalidade portuguesa na mão de colaboradores estrangeiros

Por a 16 de Agosto de 2023 as 11:04

No pós-pandemia, é sabido, denotou-se a crise de vocações de hotelaria. A inatividade levou a que muitos profissionais da hotelaria mudassem o rumo das suas vidas para outras áreas, libertando posições na restauração e hotelaria. As empresas desta área procuram profissionais, e a solução tem sido recorrer aos estrangeiros que se fixam em Portugal para suprir as necessidades.

E quem são estes novos “atores” no palco dos serviços de hotelaria?

São pessoas de várias nacionalidades que se espalham por Portugal, que procuram trabalho e, sobretudo, vínculo contratual para se poderem legalizar e permanecer no país. É lícito, na sua perspetiva individual, este seu esforço e vontade, e para que possam subsistir com salários muito baixos, submetem-se a situações de alojamento precário. Independentemente das várias opiniões e tendências de “acusar” estas pessoas de tirar os postos de trabalho de nacionais, a verdade é que sem a sua contribuição não haveria colaboradores suficientes nas unidades de hotelaria e restauração, tendo em conta a necessidade inequívoca de preencher os postos para fazer face à retoma dos números no turismo que se vem observando em Portugal.

No entanto, há que distinguir “os que ocupam os postos de trabalho” e os “profissionais de hotelaria”. O que distingue estas duas categorias é a preparação que as pessoas têm para desempenhar o seu papel nas empresas turísticas e hoteleiras. Falar a língua portuguesa não é suficiente, há que falar pelo menos o inglês, além de, em primeiro lugar, ser tecnicamente eficaz no seu posto, e em segundo lugar, preferencialmente, vender com “alma portuguesa”, que é afinal o carisma da hospitalidade portuguesa.

Daí que um dos desafios dos empresários da restauração e hotelaria não é tão somente contratar para garantir um efetivo de pessoas que faça o atendimento, mas formar os seus novos colaboradores em termos técnicos numa perspetiva de qualidade de serviço. Este investimento em formação, seja ele pessoal do contratador ou pago a formadores exteriores, não é a opção mais escolhida, pois conscientes dos baixos salários que pagam e da falta de vínculo contratual que baseia a grande parte dos acordos laborais com estrangeiros, evitam-no, até que observem haver uma certa fidelização ao posto de trabalho. Neste caso, a rotatividade é uma consequência direta das precárias condições de trabalho oferecidas e que, permeáveis a qualquer proposta de trabalho com um aumento muito pequeno de salário, faz os colaboradores “saltarem” muito frequentemente para as melhores propostas, ainda que sazonais.

O outro desafio dos empresários é conseguir uma prestação de serviços consistente com a “alma portuguesa”. O fator carismático da hospitalidade portuguesa não se transmite facilmente a pessoas que não conhecem o país, e por tal, por maior que a responsabilidade da identidade lusa possa ser uma preocupação legítima dos empresários, será decerto a mais facilmente preterida, pela pressão que têm para preencher postos de trabalho para garantir a receita. E neste caso, quem sofre na verdade somos todos nós, o país, a qualidade do turismo que tanto se advoga para justificar o aumento de turistas que nos procuram.

Então, até se proporem melhores condições laborais para os “novos colaboradores”, que é sobretudo responsabilidade dos empresários que tanto se queixam da falta deles, são o turismo e a hotelaria portuguesa que vão perdendo qualidade, e seguramente serão também vítimas da desilusão com que o turista se depara ao encontrar uma prestação tão banal, descuidada e insulsa naquilo que seria um dos melhores destinos turísticos do mundo. Por isso, ou melhoramos condições de trabalho, vínculos contratuais e formamos os “novos colaboradores” estrangeiros que nos dão a mão, ou Portugal corre o risco de carpir pela “alma portuguesa” no turismo e da hotelaria, no momento em que mais precisamos dela.

Kevin Hemsworth
Professor doutor no ISAG – European Business School

*Publicado no formato imprenso da edição 207 da Publituris Hotelaria (julho/agosto de 2023)

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