As novas oportunidades de negócio que estão a ser criadas com a crise

Por a 22 de Setembro de 2020 as 9:52

A história já mostrou, por diversas vezes, que com as grandes crises nascem novos negócios em virtude das oportunidades e das necessidades que surgem no mercado. No caso das empresas existentes, terão mais hipóteses de sobreviver as que forem capazes de se adaptar, reduzir custos e adequar as suas margens. Para os que estão a pensar lançar novos negócios, é necessário antecipar cenários, fazer uma boa leitura do mercado e conseguir adaptar o seu negócio à realidade atual. Novamente, a história está cheia de exemplos de quem foi capaz de transformar uma adversidade numa oportunidade de negócio.

Olhando para a crise financeira de 2008, foi nessa altura que nasceu o airbnb, quando os três estudantes de design — Nathan Blecharczyk, Brian Chesky e Joe Gebbia –, alugaram o seu apartamento em São Francisco, na Califórnia, para suportar os custos do arrendamento. Aproveitaram o facto de um evento de designers ter praticamente ocupado toda a hotelaria da cidade para alugar três colchões de ar no chão do seu apartamento e oferecer pequeno-almoço aos hóspedes. Assim nasceu o site airbedandbreakfast.com.

Passados mais de 10 anos, o mundo vive uma nova crise que, embora seja de origem pandémica, levou a uma crise financeira com graves consequências em alguns setores, como é o caso do turismo e da hotelaria, que veem a sua atividade bastante afetada.

Para o presidente do ISCTE Executive Education, José Crespo de Carvalho, o problema maior da hotelaria e turismo reside essencialmente na forma como a sociedade evoluiu e se movimenta. Se o paradigma da mobilidade for cortado, como foi, a receção de turistas oriundos de outros países, assim como a mobilidade das pessoas, fica afetada. Direcionar a oferta, neste momento pensada para uma procura global, apenas para uma procura local “não resolve problemas”, defende. “A reinvenção faz-se mas há-de demorar o seu tempo e é dolorosa”, afirma. “Vale-nos a capacidade que o homem tem de se adaptar depressa a diversas situações e contextos. E vale-nos igualmente a criatividade do homem ao procurar converter unidades hoteleiras também noutro tipo de negócios com serviços vários associados. Além daquelas unidades hoteleiras que conseguirão redirecionar a sua oferta para outro tipo de targets mais próximos e que sejam muitíssimo mais criativas na proposta de valor. Seguramente, e como em todos os mercados, haverá reinvenção e adaptação. E nesta área, até por força das circunstâncias, estou convicto de que existirá mais inovação que noutros”, considera.

Proporcionar experiências é na opinião do presidente do ISCTE Executive Education o caminho a seguir pelos hotéis nesta nova realidade. “O serviço é quase um ‘order qualifying criteria’ neste momento. Diria que o que irá diferenciar é a capacidade de, não obstante as restrições, ser capaz de proporcionar experiências válidas e valorizáveis. Haverá, certamente, inúmeros serviços que podem continuar: Spa’s, bares, restaurantes, mesmo a forma como se pensa uma noite pode ser agregada a um conjunto de ofertas de valor e experiência que implicam colaboração com outros negócios e empresas. Esta crise tem talvez uma premissa básica: salvam-se os que conseguirem colaborar mais com outras empresas e negócios pois capacidade excedentária terão todos face às restrições impostas”.

Sobre como avalia o futuro dos hotéis e que novos conceitos podem vir a surgir, o responsável começa por afirmar que “não está nada convicto da economia local nem do vamos trabalhar para o mercado local”. José Crespo de Carvalho defende que “os movimentos globais continuarão a existir, as férias no exterior idem e a receção de turistas igualmente”. “Talvez as reuniões de trabalho possam ser repensadas em muitas circunstâncias, mas no global, há fluxos que se vão manter e/ou até crescer tendo em consideração experiências que são necessárias. O hotel, como unidade hoteleira ‘strictu sensu’ (local para dormir), com as experiências fora dele, fará tanto mais sentido numa economia COVID se conseguir transformar-se num pacote de experiências em que o quarto, tout court, será uma pequena fração de um agregado maior. Será importante a segurança associada e o conforto oferecido, e, para isso, terão de se reinventar os quartos de hotel. Em cada quarto haverá distanciamento social e por isso haverá boas práticas sanitárias. É bom que as experiências em quarto, que podem ir dos sistemas de informação, com realidade virtual, a muitas outras experiências, gastronómicas, de ‘gaming’, de cinema, de música, de fitness, entre tantas outras, possam tornar-se centrais às propostas de valor e, adicionalmente, sejam complementadas com a natureza, a cultura e/ou o ambiente cosmopolita se em cidades”.

Portugal Ventures
A Portugal Ventures, capital de risco com capitais maioritariamente públicos, que investe em startups nos setores do Digital, Engenharia&Indústria, Ciências da Vida e Turismo, desde 2012, lançou no início de maio, em colaboração com o Ministério da Economia e Transição Digital e uma pool de parceiros, três instrumentos de financiamento para dotar as empresas de meios financeiros para continuar a alavancar os seus projetos.

O resultado das iniciativas foi “bastante positivo” e, em cerca de um mês, recebeu mais de 150 candidaturas às Calls lançadas, com projetos distribuídos por vários setores de atividade, de norte a sul do país, de empreendedores portugueses e estrangeiros. Uma vez que estas Calls tinham um propósito muito específico – apoiar as startups e os empreendedores a ultrapassar as dificuldades sentidas pela pandemia – a Portugal Ventures alavancou a dinamização das Calls junto dos seus parceiros, sejam os Parceiros de Ignição, sejam os Parceiros de Capital.

“Ficámos extremamente satisfeitos porque verificámos, efetivamente, uma grande mobilização de todo o ecossistema e a prova está no número de candidaturas que recebemos, bem como o volume de interações que tivemos com os diferentes ‘stakeholders’. Apesar de estarmos ainda em análise de projetos, temos já feedback relativamente à qualidade e maturidade dos mesmos. Acreditamos que vamos conseguir atingir os nossos objetivos, investindo em cerca de 50 projetos nos próximos meses”, refere Pedro de Mello Breyner, Executive Board Member da Portugal Ventures, à Publituris Hotelaria.

Na área do turismo especificamente, a Portugal Ventures lançou a segunda edição da Call FIT, destinada aos projetos finalistas dos programas de aceleração do Programa Fostering Innovation in Tourism do Turismo de Portugal. Foram recebidas 30 candidaturas, correspondentes a um montante total de investimento de 2,6 milhões de euros. Destes 30 projetos, 24 foram candidaturas na área do Tourism Tech e 6 Non-Tech, provenientes dos vários programas de aceleração dos seus Parceiros de Ignição para os projetos de turismo.
Também a Call INNOV-ID, direcionada para projetos pre-seed, recebeu 18 projetos na área do Turismo Tech. Estão, neste momento, a ser analisados estes projetos.

“A resposta dos empreendedores às nossas Calls foi bastante positiva e a resposta da Portugal Ventures às necessidades do ecossistema nesta fase pandémica, através do lançamento das várias iniciativas, também o foi, daí que não possamos confirmar abrandamento, nem do surgimento de novos negócios, nem do número de oportunidades de investimento”, refere a capital de risco. Esta leitura é confirmada pela realidade das startups que a Portugal Ventures tem no seu portefólio. “A maioria das empresas que trabalha neste setor teve uma retração do negócio, mas também a necessidade e muita capacidade de reajustar os seus produtos e serviços, bem como os respetivos planos de negócio”, acrescenta o administrador da Portugal Ventures.

Empresas reajustam planos de negócio
São vários os exemplos de startups do portfólio da Portugal Ventures que adotaram o seu negócio em tempos de pandemia. A começar pela LUGGit. A plataforma que permite a requisição de recolha e entrega de bagagens dos turistas, lançou uma nova plataforma, agora direcionada para hotéis. Esta iniciativa resultou do movimento #WEMOVEIT, lançado no Estado de Emergência, e que permitia a entrega de bens a familiares e associações de apoio em Lisboa e Porto. Foram realizadas mais de 500 entregas.

No caso da Doinn, a startup que disponibiliza serviços de limpeza para o alojamento local e outros gestores de propriedades, estabeleceu uma nova parceria em ‘cross-selling’ com a Homeit, também do portefólio da Portugal Ventures, que detém uma tecnologia de fechaduras inteligentes para o alojamento local, de forma a alargar os seus serviços para os clientes de alojamento local.

A GuestCentric, empresa de software para o setor hoteleiro que permite a gestão das marcas e comunicação com os clientes, juntamente com a Hijiffy, lançou o Room Against Covid, que permitiu a requisição de alojamento para profissionais de saúde.

A Great Hotels of the World, que disponibiliza um conjunto de serviços exclusivos para hotéis focados em eventos corporate e MICE, lançou a Small Portuguese Hotels, uma plataforma de agregação e promoção de hotéis independentes e de turismo local.
A Live Electric Tours, que alavanca o seu negócio nas visitas turísticas em viaturas 100% elétricas por Lisboa, Porto e Évora, deu início uma parceria com a Tesla, oferecendo a opção de conhecer Portugal ao volante de um tesla, contribuindo para o turismo sustentável e a descarbonização da economia.

A Oliófora, que produz produtos cosméticos naturais para SPAS, termas e unidades hoteleiras, alargou a sua linha de produtos com a produção de um gel desinfetante de origem vegetal, destinado ao segmento hoteleiro.
A Try Portugal, operador turístico que disponibiliza na sua plataforma um conjunto de atividades desportivas, culturais e de lazer de parceiros nacionais, lançou, no decorrer do Estado de Emergência, uma campanha de sensibilização direcionada aos portugueses, com vista à promoção do país como destino preferencial de férias.

E, como último exemplo, a Portugal Ventures refere a Azores Touch, sediada na ilha Terceira. A plataforma que permite ao turista gerir as suas férias nos Açores lançou uma campanha para os residentes no arquipélago para promover o turismo em todo o arquipélago.

Fábrica de Startups
A Fábrica de Startups, uma aceleradora de startups que tem como missão “ajudar as pessoas a serem empreendedoras de sucesso, contribuindo para o fomento do empreendedorismo e para a criação de mais e melhores startups em Portugal”, continua a fazer os seus Programas de Aceleração durante o ano de 2020. Apesar do turismo ter sido uma das áreas “mais castigadas”, é também uma das “que continua com um enorme potencial”, afirma António Lucena de Faria, CEO e Fundador da Fábrica de Startups.
Para o responsável, os ativos do turismo continuam todos cá. “As pessoas, os monumentos, o clima extraordinário, a cultura e as histórias. Na realidade, “só” faltam os turistas que, neste momento, não conseguem viajar de um país para o outro. Mas eles vão voltar, mais tarde ou mais cedo. Por isso, continuamos com a necessidade de ensinar e ajudar as pessoas que querem criar os seus negócios empreendedores”. Um exemplo disso é o Tourism Explorers, que envolve 12 cidades e mais de 500 empreendedores, num programa organizado em parceria com o Turismo de Portugal, muito focado no interior do país. “A nossa solução, enquanto país, não está no litoral, mas sim no interior.
Temos, por isso, de aproveitar algo que ainda está completamente desaproveitado, apesar de termos uma rede rodoviária espetacular, que é o interior do nosso país”. A Fábrica de Startups faz uma grande aposta, ao levar o empreendedorismo até ao interior do país, através deste programa de criação e aceleração de novos negócios. “A quarta edição deste programa vai ter, certamente, novos desafios ajustados à nova realidade e decorre em 12 cidades, em simultâneo através de uma transmissão em direto. As inscrições estão abertas até setembro e o programa terá início em outubro. Qualquer pessoa ou equipa que queira participar (gratuitamente), terá de se candidatar em www.tourismexplorers.pt. As candidaturas estão abertas para quem quer encontrar uma equipa e criar ideias inovadoras (ideação), mas também para quem já tenha uma equipa queira avançar e fazer crescer o seu negócio”, afirma.

Apesar de ser um otimista por natureza, António Lucena de Faria faz uma análise realista dos tempos que se aproximam. “No curto prazo, vamos ter um gap porque há muitos projetos que não vão sobreviver ou não conseguiram sobreviver à pandemia, mas por isso mesmo, vamos ter de voltar a repovoar o nosso país com empreendedores, numa área que é fundamental para o sucesso do país, como o Turismo”. Para o CEO da Fábrica de Startups, os tempos que se avizinham, “vão ser muito complicados e difíceis, do ponto de vista económico. O que significa que precisamos, cada vez mais, de encontrar mais e mais empreendedores e só há duas maneiras de fazê-lo: “Uma é encontrarmos um emprego e a outra é criarmos o nosso próprio emprego. Encontrar emprego nos tempos que se aproximam não será fácil e os números de desemprego demonstram esta realidade. Tendo em conta que a primeira realidade não é suficiente, estamos conscientes de que vamos ter de ajudar as pessoas a criar o seu próprio emprego. E isso é o que nos motiva na Fábrica de Startups”.

A aceleradora está focada em três grandes segmentos: “Por um lado, estamos muito preocupados com os jovens que saem da Universidade e que, neste momento, não têm grandes perspetivas de emprego, mas têm enormes competências, capacidade e energia. Mas também precisamos de falar nas pessoas mais velhas e mais experientes. Estas pessoas têm um conjunto de competências, capacidades e experiências que não estão a ser convertidas em valor, a partir de uma certa idade. E temos ainda as pessoas que estão no meio e que são muito importantes. A maioria são pessoas que estão (ou estavam) empregadas que vivem em ansiedade em relação ao futuro. E há um novo paradigma do empreendedorismo que é: estas pessoas não precisam de abandonar os seus empregos para ser empreendedores”. Na opinião de António Lucena de Faria, esta é uma questão fundamental e uma verdadeira revolução. “Esta ideia de que a pessoa deverá desistir do seu emprego para lançar um novo negócio não é por nós incentivada, apesar de haver quem tenha condições para o fazer. Mas não são a maioria. Uma das maneiras de reduzir a ansiedade em relação ao futuro é, então, a pessoa criar um negócio lateral à sua ocupação a tempo inteiro. Esta não pode ser confundida com um hobbie, porque terá de gerar receita”.

André Faria, Program Manager do Tourism Explorers, o programa de aceleração da Fábrica de Startups, enumera um conjunto de instrumentos de que as empresas de turismo ainda dispõem até ao final do ano. “Existe um conjunto de iniciativas a nível nacional, no sentido de prover a entreajuda e também o incentivo direto à continuação dos negócios no setor do turismo. Uma delas foi uma call de investimento (Call Foster Tourism Innovation) por parte de um dos nossos parceiros, a Portugal Ventures, que irá investir “até ao montante de 100 mil euros por projeto, com potencial para contribuir para o desenvolvimento da oferta turística do país, para aumentar a competitividade das empresas no setor e para melhorar a experiência do turista e aumentar o seu grau de satisfação.”

Também o IAPMEI contribuiu com a prorrogação de 3 meses da validade dos Startup Voucher – uma iniciativa “que dinamiza o desenvolvimento de projetos empresariais que se encontrem em fase de ideia, através de diversos instrumentos de apoio disponibilizados ao longo de um período de até 12 meses de preparação do projeto empresarial. O “Vale Incubação” é também uma iniciativa do IAPMEI para a contratação de serviço de incubação com apoio sob a forma de um incentivo não reembolsável a 100%, através da RNI – Rede Nacional de Incubadoras – da qual a Fábrica de Startups faz parte. Além dos programas da Fábrica de Startups, como o Tourism Explorers e o Blue Bio Value, existem ainda outras iniciativas nacionais como o FIS e o 200M.

A Portugal Ventures tem prevista para os próximos meses, a abertura da Call for Tourism, com o objetivo de apoiar financeiramente empreendedores com projetos na área do Turismo Tech e Non-Tech. A Call INNOV-ID vai também contar com a segunda edição até ao final do ano, estando aberta a projetos da área do Turismo, que possuam tecnologia desenvolvida, mas que estejam ainda em fase de protótipo, prova de conceito ou em validação de product-market-fit e que contribuam para a descarbonização e circularidade da economia.

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *