Chefs Michelin reforçam a necessidade de criar uma marca gastronómica para Portugal

Por a 2 de Março de 2024 as 17:52
Créditos: Frame It

Na passada sexta-feira, 1 de março, a AHRESP promoveu uma mesa-redonda na Bolsa de Turismo de Lisboa dedicada à importância da Gala Michelin Portugal para a gastronomia.

Num painel que reuniu os chefs Rui Paula, Rodrigo Castelo e Diogo Rocha, bem como Lídia Monteiro, vogal do Conselho Diretivo do Turismo de Portugal, debateram-se temas como a necessidade de se criar uma marca gastronómica para Portugal, o impacto das estrelas Michelin na faturação dos restaurantes, mas também a importância de afirmar o ADN da gastronomia portuguesa.

Num país que, lá fora, parece só ser conhecido pelos pratos de bacalhau, o chef Vítor Sobral, vice-presidente da AHRESP, aportou para a necessidade de se “reverter o jogo a nosso favor”, dando a conhecer os produtos base do país e a história e cultura que acarretam. No seu entender, “nunca criámos marca, não sabemos valorizar produto, então temos esta dificuldade” – a de transmitir a riqueza gastronómica portuguesa além-fronteiras, tal como já acontece com as cozinhas francesa e italiana.

Por esse motivo, deixa a provocação de que “quem nos vier julgar, que nos conheça, que saiba quem somos, o que trouxemos, o que levámos para o mundo”, sendo da opinião de que “merecemos mais do que aquilo que nos dão”.

“Quantos restaurantes três estrelas Michelin existem na Europa muito abaixo de duas estrelas Michelin que encontramos em Portugal? Se calhar quem nos vem julgar não nos conhece como devia conhecer”, frisa Vítor Sobral.

Lídia Monteiro | Créditos: Frame It

Também Lídia Monteiro é da opinião de que “o problema que temos é de marca”, defendendo por isso que esta tem de ser trabalhada pelos pilares da identidade dos produtos endógenos, cultura e talento, sendo necessário que “todo o ecossistema colabore para trabalharmos a notoriedade e diferenciação”.

“Há ainda um trabalho a fazer para que possamos alinhar perceção com realidade, e a realidade da experiência gastronómica portuguesa é muito melhor que a perceção”, afirma Lídia Monteiro.

A vogal do Conselho Diretivo do Turismo de Portugal referiu ainda que, em 2023, as pesquisas no Google referentes à gastronomia em Portugal aumentaram 18%, estando sempre num dos quatro motivos de interesse de viagem para Portugal.

Mais destaque aos restaurantes tradicionais

Sobre as estrelas Michelin, Rui Paula, que conta atualmente com duas estrelas do guia, não esconde que sempre “quis ter estrelas Michelin, é uma questão de objetivo”, que justifica com os dados de faturação. Segundo o chef, quando recebeu a primeira estrela no Casa de Chá da Boa Nova, a faturação aumentou cerca de 30%. Quando lhe foi atribuída a segunda estrela, o aumento esteve à volta dos 20%.

Também o chef Diogo Rocha, do Mesa de Lemos, reporta que a faturação e a procura deste espaço aumentaram 50% após receber a estrela.

Apesar de assegurarem não conhecer os critérios de decisão do guia Michelin, ambos os chefs são da opinião de que os espaços de restauração portugueses devem primar por uma cozinha com identidade.

“Acho que a gastronomia portuguesa é saber cozinhar. Essa gastronomia é a base, e não acredito que um cozinheiro que não saiba fazer esta comida vá ter pratos de autor. Uma coisa muito importante é termos o nosso ADN, porque senão podemos cair num limbo em que nem é carne, nem é peixe, é um limbo”, refere Rui Paula, que é da opinião de que “o guia devia dar atenção a restaurantes tradicionais”.

Rui Paula | Créditos: Frame It

Crescer mais lá fora

Quant à afirmação da gastronomia portuguesa no mundo, e apesar da dimensão do país, Rui Paula aponta para a existência das 14 regiões vitivinícolas, do “melhor azeite do mundo” e dos “melhores peixes e mariscos”. No seu entender, a próxima etapa passa por “comunicar bem”, já que, na sua opinião, a imagem passada pelos primeiros restaurantes portugueses no estrangeiro afetou a perceção atual.

“Somos um país rico, cultural, histórico. Temos receitas seculares. É pegar nessas receitas e saber comunicar. Não somos país de peixe com batata frita. Tem de se abrir bons restaurantes, em sítios bons, com boas garrafeiras e serviço exímio”, refere Rui Paula, acrescentando que “falta incentivar as pessoas mais novas também a abrir lá fora, abrir caminho pelas burocracias, arranjar parceiros, sinergias”.

Relativamente à primeira gala Michelin em território nacional, o chef Rodrigo Castelo, do Taberna Ó Balcão, refere que para o seu restaurante “vai ser muito bom, sem dúvida, a vinda da Michelin, mas para os restaurantes à volta também vai ser muito bom, porque o turista que vem a Santarém não vai almoçar e jantar no Taberna Ó Balcão todos os dias”.

Diogo Rocha | Créditos: Frame It

Apesar de este ano nenhum restaurante ter sido premiado com a terceira estrela Michelin, Rui Paula tem “a certeza de que há dois, três ou quatro restaurantes” na mira do guia. No entanto, “o guia é que sabe”. Já Diogo Rocha está seguro de que “os maiores responsáveis do que vai acontecer [no próximo ano] somos nós, não é o guia Michelin”, com Rodrigo Castelo a afirmar que é necessário “acreditar no nosso trabalho, porque as coisas vão chegar”.

Lídia Monteiro fechou a sessão afirmando que é necessário “trazer a restauração como um dos pilares da gastronomia portuguesa”.

“No caso de Portugal é na tasca que se tem a maior vivência da gastronomia portuguesa, que nos remete para os petiscos. Pode ser uma forma de exportação da nossa gastronomia. Que seja um chapéu para a restauração portuguesa” termina.

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