Opinião | Estratégia no turismo num mundo em disrupção

Por a 24 de Março de 2021 as 9:45

A incerteza e a volatilidade tornaram-se palavras quase sempre presentes quando falamos da gestão no Séc. XXI. Há um dias revisitava um artigo que o McKinsey Global Institute preparou em 2019 para o World Economic Forum que assinalava uma intensificação da disrupção, causada pelo desvio do centro de gravidade da economia para leste, pela alterações dos padrões da globalização por via da crescente importância do digital, pela aceleração da tecnologia e do envelhecimento da população ocidental, geradores da polarização das desigualdades e da pressão sobre o ambiente.

O turismo cresceu de forma praticamente ininterrupta desde meados do século passado, impulsionado pelos desenvolvimentos tecnológicos que permitiram baixar de forma significativa os custos de transporte e criar instrumentos que aproximaram a oferta e a procura de viagens, permitindo que, mais do que uma atividade económica, o turismo se afirmasse como um bem de consumo com importância crescente e mesmo um valor da sociedade em que vivemos.

Ao impactar de forma sensível os movimentos das pessoas, a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 atingiu marcadamente alguns setores de atividade económica, acabando por quase paralisar a atividade turística a nível global, conduzindo a uma redução de cerca de 75% das viagens internacionais, fazendo o setor recuar 30 anos, representando uma perda de 1,3 biliões de dólares de exportações e colocando em risco mais de 100 milhões de postos de trabalho diretos no setor.

Olhando para os últimos 20 anos, o setor do turismo foi afetado por crises económicas e sociais importantes. A emergência de fenómenos terroristas, iniciada com o 11 de setembro de 2001 e com sequelas em zonas turísticas um pouco por todo o mundo, crises sanitárias como a SARS 2003 ou a crise económico-financeira de 2008/2009 constituíram importantes desafios ao crescimento do setor, mas do qual o mesmo se recuperou rapidamente.

A Covid-19 teve, contudo, um impacto mais expressivo, diria mesmo esmagador, com uma quebra da procura 11 vezes superior à crise de 2008/9, na medida em que afetou dois dos elementos fundamentais para a dinâmica do setor do turismo – a confiança dos consumidores e a liberdade de movimentação das pessoas. 

A incerteza é, hoje, um desafio permanente para os agentes do setor do turismo. Incerteza quanto ao início da recuperação do setor, quanto ao tempo necessário para restabelecer os níveis pré-pandemia e quanto às transformações estruturais que esta crise sanitária produzirá nas preferências da procura, bem como os impactos económicos que lhe estão associados.

Na verdade, o ambiente em que destinos e empresas turísticas tomam hoje as suas decisões estratégicas não tem paralelo com outro momento da história recente, apenas sendo porventura comparável à Segunda Grande Guerra em que, como agora, o mundo se debatia com outros desafios de maior magnitude.

A pandemia Covid-19 funcionou como acelerador dos processos de transformação que estavam na agenda de qualquer empresário do setor como o próximo desafio a endereçar. 

De um momento para o outro, a utilização de tecnologia passou a ser indispensável na relação e no contacto com o cliente e mesmo na prestação do próprio serviço, enquanto condições necessárias para que o negócio se pudesse desenvolver. Rapidamente, assistentes virtuais, menus digitais e outras formas de contacto com o cliente se tornaram prática corrente na generalidade dos negócios turísticos.

Por outro lado, o comportamento do consumidor alterou-se, por via das restrições que lhe foram impostas, mas também pela alteração dos seus padrões de comportamento. A alteração das relações laborais e a emergência do teletrabalho eram descritos há muito tempo por organizações como o Fórum Económico Mundial como fatores com potencial de alterar hábitos e preferências do consumidor. Com a Covid-19, essa possibilidade foi testada e em muitos casos com sucesso, podendo acelerar o processo de adoção permanente de novas metodologias de trabalho, geradoras de novas formas de relação dos indivíduos com o seu emprego, com o seu ambiente habitual e com a sua forma de experienciar o tempo livre, encerrando oportunidades para a diversificação de serviços por parte das empresas do turismo.

Por fim, esta será porventura a primeira crise com impacto económico em que a sustentabilidade não saiu da agenda, um sinal relevador de que as preocupações ambientais são relevantes para a sociedade em que vivemos e que produtores e consumidores terão de incorporar esses princípios e práticas nos modos de produção e no comportamento de consumo.

Este cenário de disrupção contínua traz consigo desafios importantes para os líderes e para as suas equipas. 

Em primeiro lugar, a imperatividade da transformação digital, integrando a tecnologia em todos os aspetos da vida da empresa, ajustando os seus modelos de negócio, transformando os seus processos internos e melhorando a sua relação com o cliente. De acordo com o INE, em 2020, apenas 46,9% das empresas do setor do alojamento e restauração em Portugal tinham website, o que ilustra o caminho tremendo a percorrer no processo de digitalização que vai muito para além disso.

Por outro lado, num contexto de redução abrupta do tempo de tomada de decisão, a capacidade de utilizar de forma eficiente os dados na gestão e na criação de valor será um fator de competitividade poderoso, de que as empresas não poderão prescindir no futuro próximo.

Finalmente, a importância da inovação como prática fundamental que forneça às organizações a capacidade e a agilidade para introduzir novos produtos e serviços num ambiente de constante mutação, melhorando a experiência dos seus clientes, gerindo de forma mais eficiente os seus recursos e maximizando os resultados operacionais, gerando desta forma maior valor para a sociedade.

*Sérgio Guerreiro, Professor Universitário. Diretor Executivo, Westmont Institute of Tourism & Hospitality, Nova SBE.

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