Não devia haver táxis nas ruas. Nem estrelas nos hotéis.

Por a 30 de Maio de 2019 as 10:41

Não devia haver táxis nas ruas…

Nunca gostei de andar de táxi. Não por ter alguma coisa contra os motoristas, ou por falta de boas experiências. O que me causa ansiedade é a inconsistência, a incerteza sobre aquilo que me vai calhar em sorte.

O surgimento da Uber, da Cabify e de outras plataformas semelhantes veio oferecer-me essa consistência: um standard de serviço, uma solução de pagamento cómoda, um sistema de rating que me assegurava a seleção natural dos bons motoristas. Em Portugal, como no mundo, ficou demonstrado que havia milhões de consumidores, como eu, que não estavam satisfeitos com a solução de transporte público individual do incumbente. Em novembro de 2018 entrou finalmente em vigor a nova lei que regula este tipo de plataformas. Fiquei satisfeito por ver o regulador finalmente a par do progresso, mas fiquei desapontado com a abordagem. Para mim, está completamente errada.

Na minha perspetiva liberal da sociedade, não acho que cumpra ao Estado definir os produtos e serviços que são disponibilizados no mercado. Está bem demonstrado que a relação concorrencial entre as empresas, na busca de quota de mercado e de lucro, é um catalisador muito mais forte da satisfação das necessidades do consumidor.

Não sei por que razão os táxis têm que ser pretos com o teto verde e os Ubers não podem ter mais de 7 anos. Ou por que razão os táxis podem usar as praças e os corredores bus e o Ubers nem sequer podem apanhar passageiros na rua. Para quê duas realidades paralelas se a necessidade subjacente é a mesma? E já agora, também não percebo por que razão os motoristas precisam de ter um contrato de trabalho se muitas vezes a sua motivação é, justamente, gerirem o seu tempo com flexibilidade. A “gig economy” é uma tendência, não um problema.

Se a necessidade é transporte e o objetivo cativar mais clientes, os operadores, melhor do que ninguém, saberiam criar e gerir as propostas de valor adequadas, inovando para obter vantagem sobre os seus concorrentes. Ganharia o consumidor, claro. Ao Estado caberia assegurar as garantias básicas ao consumidor, como a segurança, a transparência e a concorrência. Quanto aos bens públicos, como praças (de táxis) e corredores bus, pois que a sua utilização fosse paga pelos operadores que deles pretendessem extrair benefício económico.

Perspetivar realidades futuras com base em modelos passados faz-me lembrar os primeiros carros, que se assemelhavam a carruagens sem cavalos. As marcas automóveis – como a BMW, a Mercedes e a PSA – estão a tornar-se também operadores de car sharing, e as plataformas eletrónicas – como a Uber – começaram a investir em trotinetes e bicicletas, para oferecerem soluções de mobilidade diversificadas através das suas aplicações. A indústria da mobilidade vai sofrer uma revolução na próxima década e, uma vez mais, o regulador vai andar a correr atrás do prejuízo. É pena.

 

… nem estrelas nos hotéis

No alojamento turístico é um pouco a mesma coisa. Num contexto de mudança massiva, alimentada por um consumidor mais eclético e com acesso quase ilimitado a informação, a evolução legislativa faz-se a partir dos pressupostos do passado. Hotelaria de um lado e Alojamento Local do outro, como se a necessidade não fosse a mesma, e os consumidores se fechassem em perfis de consumo perfeitamente compartimentados. Tipologias fechadas com requisitos pré-definidos, como se a inovação e a disrupção não fossem um benefício para todos. Categorização por estrelas como se os consumidores precisassem de alguma autoridade central a dar-lhe balizas no mundo dos “reviews”, dos “scores” e da informação na ponta dos dedos.

É verdade que, ao longo dos últimos anos, muito foi feito. Por um lado, para reduzir a dependência das classificações de critérios físicos e introduzir alguma flexibilidade, através de um sistema de ponderadores. Por outro, para trazer novas realidades para economia formal e, dessa forma, integrá-las no ecossistema turístico de forma organizada. Mas a lógica é a mesma das plataformas de mobilidade – melhorias discretas sobre um modelo que merecia ser repensado.

Acredito no engenho dos empresários, na racionalidade do consumidor e num Estado que se dedique a assegurar contexto de forma verdadeiramente eficaz, mas sem se imiscuir nas nossas escolhas do dia-a-dia. Em benefício de todos. Será uma utopia?

 

UM CONTRIBUTO DE…

 

Bernardo Trindade

Administrador do grupo PortoBay

Ex-Secretário de Estado do Turismo

Achas justa a crítica de que faltam respostas mais disruptivas para mudanças estruturais do consumidor?

Obrigado Filipe pelo convite. Dizer-te que não acredito apenas no lucro como medida de auto-regulação. Penso logo nas trotinetes abandonadas à porta de casa… Respostas disruptivas Simplex, com toda a certeza, geradoras de novas necessidades, tendo o consumidor como centralidade.

O sistema de classificação que temos na hotelaria não limita a criatividade do empresário?

Muito caminho fizemos. Lembro-me da revisão da lei dos empreendimentos turísticos de 2008 onde dividimos infraestrutura e serviço. Abrimos espaço à criatividade. Hoje, de forma periódica, tens projetos diversos, com conceitos inovadores com idêntica classificação. O Turismo de Portugal participa no processo, faz auditorias de classificação assegurando um bom diálogo entre autoridades e empreendedores. Aprendemos muito. Todos.

Quais os reais benefícios da classificação para um consumidor com acesso quase ilimitado a informação?

Mais informação, torna mais transparente a relação na prestação de serviço. Mas não única: a classificação de 9.4 construída pelo consumidor do AL no meu prédio não representa o mesmo do 5 estrelas na Avenida da Liberdade. Aqui, do ponto de vista do consumidor, garante-se o acesso a um standard universal de requisitos, sobretudo quando a informação no destino não é bastante.

*A opinião de Filipe Santiago, Managing Partner da BlueShift – Achievers Make the Change

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