Fazer a mudança acontecer

Por a 11 de Março de 2019 as 10:13

Um dos maiores desafios do gestor, em qualquer setor de atividade, é a mudança: desde a visão que a espoleta, fugindo à miopia do dia-a-dia, à identificação das suas implicações internas e externas, e à planificação e gestão das equipas de forma alinhada, até, finalmente, o fazer acontecer para além das intenções e do papel. Ao longo da minha carreira já vi um pouco de tudo, mas hoje vou falar de um projeto de mudança que conheci de perto, num grande grupo hoteleiro nacional, e que considero exemplar na sua capacidade de ultrapassar objeções e ganhar o apoio de toda uma organização.

 

Como assim não há central de reservas?

Tendo sido responsável pela área de canais diretos de um grande grupo financeiro, e com funções não executivas num dos maiores operadores de contact centers, tinha uma boa noção do impacto deste tipo de estruturas na qualidade de serviço e eficácia comercial em múltiplos setores. Era também sensível às queixas do marketing, incapaz de desenvolver uma estratégia de promoção de produto adequada sem um ponto de contacto centralizado. Parecia-me absolutamente incompreensível que uma cadeia com a nossa dimensão não tivesse uma central de reservas. Obviamente, a ideia, de tão óbvia e batida no mercado, até surgira mais do que uma vez, mas fora rapidamente abandonada. Não tardaria a perceber porquê…

 

Identificar e ultrapassar as resistências

 

Desde que anunciámos o lançamento do projeto, as resistências culturais foram enormes, e eram fundamentalmente de dois tipos: por um lado, existia a perceção de que uma equipa colocada remotamente, e sem a vivência do hotel, seria incapaz de incorporar o conhecimento de produto necessário; por outro, havia receio da perda de autonomia das unidades e consequente transferência de poder para a nova estrutura.

As objeções da organização – algumas explícitas, outras menos – foram incorporadas desde o início na estruturação do projeto, através de cinco pilares:

 

  • Transparência – foram acordados KPIs claramente mensuráveis, reportados a toda a organização, que refletiam as vertentes de qualidade de serviço, conversão, up/cross-selling e fiabilidade da informação introduzida. Medir o que quer que fosse nesta área era inédito e até um pouco contra uma cultura algo acomodada ao “low accountabiity”.
  • Diversidade – construiu-se uma equipa com perfil misto – 50% vinha dos antigos departamentos de reservas dos hotéis, e assegurava o know-how específico da operação, e os restantes 50% eram jovens sem experiência hoteleira, mas com elevada energia, sem vícios, e cheios de vontade de mostrar resultados.
  • Integração – na fase de pré-piloto organizou-se um programa de rotação da nova equipa pelos departamentos de reservas dos hotéis, ao longo do qual cada agente passou por várias unidades diferentes, de modo a ganhar sensibilidade às diferentes realidades e absorver know-how. Foi também um momento de criação de laços entre equipas, evitando que a nova estrutura fosse vista como estranha e distante.
  • Cultura comercial – a central apresentava-se, antes de mais, como uma estrutura de venda, com forte proatividade comercial, o que contrastava enormemente com a cultura profundamente “order taker” que vinha de trás.
  • “Transversalização” – num grupo em que todos os processos operacionais estavam organizados na lógica vertical de cada unidade, grande parte do esforço foi investido a fazer evoluir componentes estruturantes, como a qualidade da informação de clientes, e a correta inserção em sistema de contratos e pricing, colocando pressão sobre as unidades e os departamentos centrais adjacentes.

De ameaça a oportunidade

Os resultados foram inequívocos a todos os níveis. A taxa de erros nas reservas baixou de um valor estimado em cerca de 20% para menos de 2%. A taxa de conversão ultrapassou os 60% no terceiro ano. A receita de upselling e campanhas outbound colocou muitos hotéis a competirem pela atenção e tempo da central para as suas campanhas. Os hotéis deixaram de ver a central como ameaça e passaram a vê-la como oportunidade.

Para além dos benefícios diretos, o projeto gerou um conjunto de efeitos colaterais que contribuíram decisivamente para a evolução cultural da organização. Antes de mais, pela cultura de medição e “accountability” que ia, de algum modo, contra a prática vigente. Em segundo lugar, pela pressão para a melhoria contínua – posicionada no ponto sensível entre a venda e a operação, a central estava numa situação única para identificar constrangimentos e oportunidades. Finalmente, porque, ao arrastar consigo a reorganização de toda a base de dados de clientes e contratos, abriu caminho ao grande projeto estruturante que se seguiria – a construção de uma organização centrada no Revenue Management. Mas isso é história para outro dia.

 

UM CONTRIBUTO DE…



Nuno Ferreira Pires

CEO da Sport TV, ex-administrador do Pestana Hotel Group

 

Qual a mudança mais urgente no setor?

A maior e mais urgente mudança é a cultural – o “mind-shifting” do setor no sentido da capacitação das equipas a todos os níveis da gestão. Curiosamente, aquilo que noutros setores é óbvio há muito.

 

De que exemplos te orgulhas da tua passagem pelo turismo?

O início da revitalização comercial do negócio da rede Pousadas de Portugal, que foi depois seguido pela equipa com enorme sucesso, em particular o foco e alinhamento das equipas nas variáveis-chave taxa de ocupação e preço, gerando RevPARs mais altos, e o correto ROE para o acionista. Também o novo posicionamento estratégico e o re-branding das marcas do Pestana Hotel Group, que transmite agora aquilo que o grupo é, e o que entrega à sociedade.

 

Gerir a mudança em hotelaria é diferente de fazê-lo em media, grande consumo ou banca?

Na gestão da mudança, o que menos impacto tem é precisamente o setor. O maior impacto surge da capacidade de operar estrategicamente nas variáveis de gestão certas – que são idênticas em todos os setores – e, sobretudo, no tempo certo, que é variável fundamental para a obtenção de resultados sustentáveis e maximizados.

 

Quais são as duas ou três ideias-chave para um processo de mudança eficaz?

Destaco três coisas fundamentais: criar a cultura organizacional certa para a mudança desejada; ter a equipa de gestão com o talento certo, a motivação e a energia para o caminho; e manter em permanência uma forte comunicação interna (do progresso face aos objetivos) e externa (publicidade e RP) para que a sociedade onde a empresa opera saiba porque estamos a “melhorar as suas vidas” com os nossos produtos.

A opinião de Filipe Santiago, Managing Partner da BlueShift – Achievers Make the Change
*Artigo publicado na edição de fevereiro da revista Publituris Hotelaria

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