Gestores precisam-se

Por a 17 de Dezembro de 2018 as 10:38

Opinião de Filipe Santiago, Managing Partner da BlueShift – Achievers Make the Change

Desde que criámos a BlueShift Consulting, em 2016, temos sido recrutadores assíduos em escolas de gestão, em particular a Nova School of Business and Economics, a que me mantenho ativamente ligado. E uma das coisas que mais me têm impressionado, neste contacto com alguns dos jovens com maior potencial do país, é a absoluta desconexão que sinto entre o seu mundo e a nossa indústria.

O turismo não é falado nas escolas de gestão. Não surge nos exemplos de boas práticas em que as aulas são ricas, nem nos case-studies que são discutidos em grupo. E, escusado será dizer, não está na “wish list” dos alunos quando perspetivam as suas carreiras.

Durante algum tempo achei que o problema era fundamentalmente de marketing setorial e “employer branding”. Não estaríamos a ser capazes de dar visibilidade à competitividade estrutural de Portugal no turismo (tema que tratei no artigo de setembro), à enorme necessidade de skills de gestão, e à oportunidade de uma carreira promissora no setor. Mas, à medida que fui tendo mais contacto com professores e alunos, fui-me dando conta das más experiências dos raros aventureiros que tiveram a coragem de dar o salto. O problema é muito mais profundo – trata-se da cultura do setor. Como me dizia uma vez um aluno, “há poucos setores que ofereçam a empregabilidade do turismo. O problema é que os empregos não são para nós”.

O turismo não é atrativo para um aluno de gestão

Se colocarmos a cultura organizacional numa escala, em que, num extremo está a indústria tradicional, dominada pela mão de obra operária e pelo contrato coletivo de trabalho, e no outro os setores de serviços qualificados – como a banca ou as telecomunicações -, a hotelaria está bem mais próxima do primeiro do que do segundo. E isso não é atrativo para um aluno que saia de uma escola de gestão de topo com uma média promissora.

Em primeiro lugar, pelo perfil fortemente hierárquico da maioria das organizações, ou não fosse este o setor que designa as equipas como “brigadas”. Para um jovem Millennial ou Gen Z com talento e ambição, isso é o exato oposto da cultura pouco hierarquizada e baseada na autonomia e flexibilidade que vê nos “sexy employers” que lhe servem de modelo.

Em segundo lugar, pela ótica maioritariamente operacional que domina estas organizações. Fechado sobre si mesmo, e pouco estimulado por gente de fora, o setor tende a questionar-se pouco – faz-se como sempre se fez, talvez com mais eficiência ou qualidade – e a dedicar pouco ou nenhum tempo à verdadeira inovação, seja no produto, no serviço ou nos processos. Quem não questiona nem inova não precisa de gestores – bastam bons operários especializados.

Finalmente, e porventura o aspeto mais importante de todos, pela incapacidade geral para desenvolver planos de carreira e remuneração adequados ao talento altamente qualificado. O processo de atração de um jovem de elevado potencial começa mal quando alguém lhe tenta vender a “oportunidade” de ser um “Rececionista de 2ª” – e não um “Client Engagement Manager”, com um nome mais atrativo, mas, sobretudo, uma função mais rica. Mas o pior é achar que um promissor aluno de gestão vai ficar cinco anos atrás de um balcão a fazer check-ins e a sonhar com uma posição de Chefe de Receção, como os colegas da escola de hotelaria. Para motivar este tipo de talento é preciso um plano de carreira bem claro e estruturado, que preveja uma rotação pelas diversas áreas da empresa, e que lhe dê o imprescindível contacto com o “shopfloor” – mas enquadrado num plano para chegar a uma posição de gestão efetiva num prazo bastante mais curto. Ah, by the way… oitocentos euros não é um salário adequado.

O ciclo vicioso que pode ser virtuoso

Quando juntamos estes três fatores temos uma espiral negativa, que perpetua uma cultura desadequada, que não atrai gestores e repele a inovação que o próprio mercado procura. As consequências para as empresas são evidentes e visíveis todos os dias – da baixa atratividade e serviço medíocre de restaurantes sem qualquer conceito, incapazes de competirem com o mercado local, à ausência dos mecanismos mais básicos de cross e up-selling in-house que qualquer bom comercial domina. Dois exemplos de áreas onde algum talento com visão não contaminada, competências analíticas, e ferramentas de gestão de projeto adequadas poderiam fazer milagres.

Se acha que isto não é para si, lembre-se que quem quebra um ciclo vicioso fica em posição ímpar para o converter em ciclo virtuoso. Quem for capaz de atrair estes promissores gestores, que hoje nos viram as costas, arrisca seriamente transformar-se num foco de atração para as escolas de gestão e, por essa via, espoletar uma evolução cultural para um ambiente mais estimulante da inovação que, a longo prazo, será uma enorme vantagem competitiva.

UM CONTRIBUTO DE…

Pedro Santa-Clara

Director da Nova School of Business and Economics

Por que razão os alunos de gestão não procuram o turismo?

Eu colocaria a questão ao contrário – por que razão as empresas de turismo não procuram alunos de gestão? Temos na Nova SBE alguns dos melhores alunos do país a serem procurados pelas mais diversas indústrias, mas não me lembro de ver aqui uma empresa do turismo a recrutar, a participar nas nossas atividades, não as vejo preocupadas com “employer branding”… Eu até acho que existe interesse, mas se as empresas não aparecem, depois não estão em top-of-mind para os alunos.

Desse lado, como se olha para o setor? Perceciona-se uma oportunidade?

É um setor com grandes oportunidades. Tem dimensão, está a crescer e envolve muitas das disciplinas que ensinamos – finanças, marketing, transformação digital, uma enorme complexidade a nível de pricing… tudo áreas que requerem fortes skills de gestão. É interessante compararmos com a banca, que é um setor a decrescer, ou com os seguros, que são um setor muito menos sexy, e são muito ativos a recrutar talento. Se as empresas hoteleiras se posicionassem de outra forma, teriam todas as condições para atrair os nossos alunos.

O que precisa de mudar nas empresas para atraírem gestores?

Tal como referes no teu artigo, é uma indústria muito ligada à produção, que se vê como uma linha de montagem de parafusos, a ótica é ser especialista a fabricar parafusos. Também por isso, falta inovação e diferenciação do produto. Com meia dúzia de exceções, a diferenciação faz-se pela categoria e pela localização. Claro que o setor tem o desafio da atomização, mas mesmo as grandes cadeias são indiferenciadas a nível de produto. É interessante compararmos com o setor da saúde, que tem tido sucesso a criar marcas e diferenciação, e tem uma atitude completamente diferente em relação ao talento. Também eles têm uma forte componente de produção, para a qual contratam médicos, enfermeiros e auxiliares, mas ao lado têm uma componente forte de gestão, sendo muito ativos no recrutamento junto de escolas como a nossa.

*Artigo publicado originalmente na edição de Novembro da revista Publituris Hotelaria. 

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