Opinião | Cinco razões para acreditar

Por a 20 de Agosto de 2018 as 15:54
Filipe Santiago

No contacto que mantenho com grupos nacionais e internacionais que estão a considerar a entrada no setor do turismo em Portugal, uma das questões que mais vezes me colocam é sobre a sustentabilidade da dinâmica que hoje observamos.

Normalmente estruturo a minha resposta em torno de cinco grandes ideias.

1 – Uma indústria globalmente pujante

Mais do que o crescimento por um factor de 50 desde os anos 1950, a análise de uma série longa do número de turistas no mundo impressiona pela resiliência. Apesar de sabermos que se trata de uma das indústrias mais cedo impactadas pelas mudanças de ciclo, existem apenas três anos, desde 1950, em que o indicador sofreu uma queda, todas elas associadas a descontinuidades brutais, como o choque petrolífero, o fim da bolha da designada “nova economia”, ou a recente crise das dívidas soberanas.

A Organização Internacional do Turismo (UNWTO) estima, ainda, que o número de turistas multiplique por um factor de 1,5 nos próximos 15 anos. A procura vai estar lá. Para que destinos se vai dirigir, é, logicamente, outra questão.

2 – Os indicadores de Portugal

A curva de evolução de hóspedes em Portugal parece tirada a papel químico da curva de evolução de turistas no mundo: a mesma tendência, as mesmas inversões pontuais nos mesmos momentos, ilustrando o carácter profundamente global deste negócio.

No entanto, a partir de 2013, tudo muda. A curva dispara e segue direita ao céu, num fenómeno que parece um erro estatístico ou de introdução de dados. Poderá não ter noção, mas entre 2012 e 2017 os proveitos globais da hotelaria aumentaram 83%. É quase uma duplicação em apenas 5 anos! E se acha que o ganho foi todo absorvido pelo louco crescimento da oferta, espere um pouco – o RevPAR aumentou 73% no mesmo período.

É também interessante observar como o crescimento é relativamente homogéneo entre regiões turísticas com perfis e graus de maturidade tão diversos – uma média anual, nos últimos 5 anos, entre os 10% na Madeira e Alentejo e 15% no Norte.

Note ainda que estamos apenas a falar de Estabelecimentos Hoteleiros. O crescimento explosivo do Alojamento Local não está incluído.

3 – A passagem à primeira liga

Por muito mal que as coisas corram, é difícil imaginar um cenário em que tudo isto se perdesse. Abrandamento certamente, ou uma eventual queda num cenário mais extremo, mas a história demonstra que não se cai do décimo para o quarto andar. É a partir do nono que se faz novo caminho, e a vista é quase a mesma.

É interessante olhar para estudos comparativos internacionais, como o conhecido European Cities Hotel Forecast, da PWC. Salvaguardada a sua não representatividade – baseia-se numa amostra enviesada de hotéis que não é consistente no tempo -, não deixa de ser extraordinária a evolução do RevPAR. Desde 2013, Lisboa galgou do 16º lugar para o 8º, e o Porto, que só em 2016 ganhou o bilhete de entrada no ranking, já vai no 11º lugar.

O fenómeno moda passará. Mas neste processo, Portugal ganhou notoriedade e “word-of-mouth” como nunca teve, e entrou no mapa dos grandes destinos internacionais. Isso vai ficar.

4 – Finalmente uma prioridade política

O turismo sempre foi o parente pobre da economia. Pouco valorizado, sem qualquer estratégia ou visão de longo prazo, arrastou-se durante décadas abaixo do potencial, perante a frustração dos agentes do sector. Mas nos últimos dez anos o cenário mudou radicalmente a todos os níveis.

Aliás, num clima político tenso e baseado na lógica da reversão, poucos setores constituem um exemplo tão bom das virtualidades da estabilidade como o turismo. Basta olhar para o fenómeno do Alojamento Local – Bernardo Trindade abriu a porta, Adolfo Mesquita Nunes desenvolveu e regulamentou, e Ana Mendes Godinho continua a consolidar e a gerir com bom senso os desafios trazidos pelo sucesso.

5 – Os factores estruturais de competitividade

Este é porventura o argumento mais importante de todos. Independentemente de conjunturas e percalços, Portugal tem factores estruturais de competitividade que só nos podem dar razão para estarmos optimistas. Aliás, se olhar vinte anos para a frente, em que outra indústria apostaria para garantir emprego aos seus filhos ou netos?
O Fórum Económico Mundial publica anualmente um relatório comparativo de competitividade em turismo de 136 países em todo o mundo. Portugal ocupa o 14º lugar num ranking liderado pela Espanha. Para esse excelente resultado contribuem fatores como a riqueza dos recursos naturais e culturais, as infraestruturas turísticas e rodoviárias e a prioridade atribuída pelos agentes políticos.

Há razões para acreditar no turismo em Portugal. E não desaparecerão com o próximo solavanco.

UM CONTRIBUTO DE… Adolfo Mesquita Nunes, advogado e ex-Secretário de Estado
do Turismo

Da dinâmica actual do Turismo, quanto é conjuntural e quanto é estrutural?

Razões demográficas, culturais e económicas fazem do turismo uma actividade em crescimento. Há mais gente com mais poder de compra a fazer mais viagens. É pois uma dinâmica estrutural, que se manterá salvo se a ordem mundial se alterar por instabilidade política, guerra, terrorismo ou catástrofes. Outra coisa é saber se Portugal consegue aumentar a quota de mercado. Temos condições para isso porque não temos obstáculos estruturais (o aeroporto de Lisboa é conjuntural) que o impeçam.

O que pode correr mal?

Num mercado concorrencial, há políticas que perturbam o crescimento: políticas proteccionistas, a defender empresas da concorrência; políticas conservadoras, presas a práticas ultrapassadas (o marketing digital, por exemplo, está em evolução); políticas populistas, que vêem no turismo uma ameaça capitalista a limitar; politização do turismo, transformando-o em instrumento de propaganda.

Qual devia ser a prioridade para a próxima década?

Inteligência artificial e meta-dados. Seja no sector público, para promoção e gestão do destino, seja no sector privado, para estruturação da oferta e conhecimento da procura, ambos são cruciais para a competitividade no turismo, um dos sectores mais expostos à economia digital. Devíamos estar a trabalhar para ser não só um destino mas o país líder na economia digital no turismo, objectivo ao nosso alcance e que aumentaria a sua relevância na nossa economia. Para isso é preciso arrojo e liderança.

* O autor escreve segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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