“[A alta cozinha] foi quase um amor à primeira vista”
Até assumir a chefia do “Vistas”, o chef Rui Silvestre percorreu as cozinhas de vários chefs durante 12 anos, com paragens em França, Suíça e Hungria.

Carla Nunes
Primeiro hotel Kimpton em Portugal abre portas no Algarve
Transação do Tróia Resort já está concluída
Grupo Oásis tem melhor ano de sempre com receitas de 45,3M€ em 2024
Hotel da Praia do Sol passa a Hotel Paparica depois de adquirido por investidores privados
Turismo e hospitalidade ganham nova ferramenta digital com dados estatísticos em tempo real
WOTELS apresenta nova unidade em Águeda
Vila Galé estabelece protocolo com Brumadinho para desenvolver hotel junto a Inhotim
Jorge Rebelo de Almeida frisa potencial turístico do Brasil na inauguração do 12.º hotel Vila Galé no país
Paulo Galiado assume direção-geral do Évora Hotel
Locke de Santa Joana apresenta suite exclusiva após parceria com a Anthropologie
Na rubrica “Palavra de Chef” deste mês, a Publituris Hotelaria esteve à conversa com Rui Silvestre, o chef à frente do restaurante com uma estrela Michelin “Vistas”, inserido no hotel Monte Rei Golf & Country Club, no Algarve. A paixão pelo fine dining – a que prefere chamar de cozinha gastronómica – e o percurso até à excelência marcaram a entrevista com o chef que desde cedo decidiu que “se ia ser cozinheiro, ia ser um dos bons”.
Texto: Carla Nunes | Fotografia: DR
Integrou a primeira cozinha profissional aos 16 anos. Foi a partir daqui que cimentou o gosto pela área?
Tem mais a ver com a parte da família: do lado do meu pai, que foi chefe de cozinha durante perto de 40 anos, em França; e depois, da parte da minha família materna, temos uma herança multicultural – a minha avó nasceu na Índia, a minha mãe em Moçambique, portanto, a cozinha sempre foi uma coisa muito importante para nós. Na altura em que escolhi cozinha houve um fator que também foi determinante: ter visto uma entrevista sobre o Vila Joya, isto há quase 20 anos. Falavam do Dieter Koschina e as suas estrelas Michelin. Fui procurar e achei muita piada à parte do glamour daqueles pratos lindíssimos, e isso também foi uma motivação extra para seguir este caminho.
Após um ano a trabalhar em Portugal, passou sete anos em restaurantes em França, Suíça e Hungria. De onde surgiu a necessidade de aprender mais lá fora?
Quando tirei o curso de cozinha fiquei a trabalhar em Portugal um ano. Na altura estava no Vírgula, na zona do Cais do Sodré, em Lisboa. Pensava que o que fazíamos naquele restaurante – que era pequenino, trabalhávamos três pessoas na cozinha – era espetacular, e com a possibilidade de trabalhar com o Virgílio Gomes, ficava impressionado com o que ele fazia. Acabei por perceber que havia muito mais mundo para além daquelas quatro paredes onde trabalhava. Na altura tentei ir para o Vila Joya, mas como na altura não falava alemão, não foi possível, era um dos pré-requisitos daqueles tempos. Acabei por ir para fora. Numa noite de quarta-feira comecei a mandar currículos, na sexta-feira recebi uma proposta para ir para França e no domingo estava em França. Numa semana foi uma mudança drástica.
Drástica em que sentido?
A nível pessoal fui para um país onde na altura não dominava a língua, sozinho. Fui trabalhar para um restaurante com uma estrela Michelin no norte de França. Se antes estava com três cozinheiros, fui parar a uma cozinha com uma brigada de 20 a 25 cozinheiros. Achava que já tinha algum nível de cozinha… ingénuo [risos]. Quando cheguei lá percebi que não estava minimamente preparado para aquilo. Faltava-me formação, faltava-me experiência. O que tinha era vontade de aprender e crescer.
Em França, passou pelo restaurante Le Castellet, de três estrelas Michelin. Foi aqui que aprimorou o gosto pela alta cozinha, ou já vinha de antes, quando viu a reportagem do Vila Joya?
Quando vi a reportagem do Vila Joya decidi que se ia ser cozinheiro, ia ser um dos bons. Isso sempre fez parte do objetivo. Sempre disse a mim próprio que independentemente do que escolhesse não queria ser mais um. Quando fui para a escola de hotelaria já era com o objetivo de trabalhar em restaurantes de alto standard, gastronómicos. Quando cheguei a França e entrei naquela cozinha pela primeira vez, vi que era este estilo de cozinha que queria fazer para sempre. Foi quase um amor à primeira vista.
Que cozinha desenhou para o restaurante Vistas?
É importante contextualizar que a nível temporal, o Vista acontece 12 anos depois disto tudo. Entretanto trabalhei em vários restaurantes, com vários chefs diferentes, e isso sempre fez parte do meu objetivo, também. Queria trabalhar com vários chefs para aprender estilos diferentes. Mais do que aprender receitas, é importante perceber a forma de pensar dos chefs com quem trabalhamos. É isso que faz com que no futuro consigamos, ou não, criar o próprio estilo de cozinha. O que fazemos aqui é isso mesmo, é um estilo de cozinha muito ligado à minha história de família e às minhas vivências – às minhas viagens, a parte da herança familiar entre a Índia e Moçambique, a parte da História, que também me apaixona, em que tento fazer a ponte entre a cozinha portuguesa para a diáspora portuguesa. Não só encontramos pratos inspirados na Índia, em Moçambique ou em Portugal, mas também pode haver uma inspiração no Japão, no Brasil, na Tailândia. Muito centrados em tudo o que é peixes e mariscos do Algarve e na região em que estamos inseridos.
Criaram um menu onde não entra qualquer tipo de prato de carne. O que motivou esta decisão?
O facto de estarmos a dez minutos do oceano Atlântico. Temos os melhores peixes e mariscos do mundo e deixou de fazer sentido estar a comprar carnes que vêm de outros locais.
Qual tem sido a resposta do cliente a este novo menu?
Se formos ver, 85% dos nossos clientes não vivem no Algarve, e as pessoas quando estão no Algarve não vêm para comer uma pizza. Cada vez mais somos um país com uma gastronomia muito forte. Felizmente estamos a aprender a comunicar que temos uma gastronomia forte e quando as pessoas nos visitam, seja pelo país ou uma região específica, querem conhecer também a gastronomia desse local. Creio que as pessoas procuram a carne para terem a sensação de saciedade no final da refeição. Aqui é um problema que não temos, o menu é muito extenso e as quantidades são todas muito bem equilibradas para as pessoas poderem terminar a refeição e sentirem-se bem. Ninguém acaba uma refeição aqui com fome.
Quais diria serem as tendências atuais no mundo da cozinha?
Principalmente depois da pandemia por COVID-19, os clientes procuram personalidade. Estou a falar em restaurantes gastronómicos, de alta cozinha. Aquilo que se quer é ter uma experiência única, conhecer um pouco da cozinha e história do chef. Acho que hoje as tendências não se prendem muito com esses fundamentalismos [do produto local], técnicas ou o que seja, acho que se prende mais com a experiência global que vamos dar ao cliente, que possa ter uma experiência única que não tenha em mais lado nenhum.
Na sua opinião, Portugal tem conseguido acompanhar essa tendência?
Acho que Portugal esteve muitos anos adormecido e felizmente tivemos uma geração de chefs como o José Avilez e o Henrique Sá Pessoa que souberam internacionalizar e começar a vender aquilo que fazemos, e isso fez com que perdêssemos um bocado a ideia de sermos pequenos porque somos portugueses. Começamos a olhar para o que é nosso com outros olhos, o que faz com que a longo ou médio prazo todos os chefs consigam ser mais confiantes a fazer as suas próprias cozinhas. Se olhar para o que os meus colegas estão a fazer, todos têm trabalhos distintos e tenho a certeza que vai ser a maior força que vamos ter enquanto representantes da gastronomia nacional.
Alcançou a primeira estrela Michelin aos 29 anos, em 2015. Quando se chega a este marco tão cedo – neste caso foi o mais jovem chef português de sempre a alcançar este marco – há mais pressão para manter a estrela e seguir um determinado percurso na cozinha?
Pessoalmente nunca senti uma pressão extra para manter uma estrela. O Michelin acaba por ser uma maneira de estar na vida e um bocado como um jogo – o jogo tem regras e temos de percebê-las. Hoje fala-se muito que o Michelin anda atrás dos chefs e cria uma pressão enorme. Não faz nada disso, nós é que criamos a pressão em nós mesmos, portanto, nós é que temos de saber gerir. [Ganhar a segunda estrela] tira-me mais o sono do que manter a que já temos.
Na sua opinião, o que falta para Portugal conseguir alcançar as três estrelas Michelin?
É uma questão de tempo. Temos também de olhar [para outras questões]. Reparamos que há outros países que têm muito mais história e mais força, principalmente económica. É muito recente este boom do turismo em Portugal. Há dez anos os restaurantes lutavam para conseguirem sobreviver, principalmente os restaurantes deste nível – em termos de custos de mão-de-obra, de produtos, de espaço. Hoje os restaurantes conseguem sobreviver, conseguem ter uma quantidade de clientes que antes não conseguiam e acho que é uma questão de tempo até termos um ou mais restaurantes com três estrelas.
Acredita que possa haver um destaque maior para Portugal com a recente criação de cerimónias diferentes para Espanha e Portugal da entrega de estrelas Michelin?
Acho que dará um destaque maior de certeza. Não sei se isso se vai traduzir em mais estrelas Michelin. Vai ter um destaque maior porque vai chamar mais gente a Portugal, vamos ter uma cobertura de imprensa muito superior e acho que isso vai fazer com que cada vez mais restauradores queiram abrir restaurantes de maior qualidade. Acho que os diretores de hotéis vão passar a olhar para os restaurantes gastronómicos e a possibilidade de ganharem estrelas Michelin de uma forma mais empresarial – o que quer dizer que vão começar a perceber que isto não tem a ver só com a época, a nível de negócio acaba por ser vantajoso.
Da parte dos hotéis, ainda falta esse olhar empresarial para a parte do restaurante?
Acho que sim. Já temos alguns casos de hotéis que realmente lutaram e investiram para ter restaurantes gastronómicos – ou fine dining, como se costuma dizer – mas ainda há muito o estigma que o restaurante de estrelas Michelin só perde dinheiro, o que não é de todo verdade. Pode já ter sido verdade, mas hoje não, porque é possível ter clientes muito mais regulares e ter os restaurantes a trabalhar durante mais tempo com um nível médio/alto. Os hotéis acabam por ter mais clientes, que viajam para ir aos restaurantes e ficam a dormir [nas unidades] – vão ao spa, tomam o pequeno-almoço… Acho que falta ainda perceber um bocadinho isso em algumas direções.
Quais antecipa serem as principais preocupações dos chefs no futuro?
Mão-de-obra. Já estamos a passar uma crise gigante no que diz respeito à mão-de-obra. O futuro vai ser muito complicado se os governos não tomarem algumas medidas rapidamente, com medidas de incentivo ao trabalho e não medidas de incentivo ao desemprego. Já se vêm restaurantes a fechar porque não existem cozinheiros, não existe pessoal técnico de sala, não existem escanções, não existem rececionistas. Ninguém quer trabalhar em restauração.
Qual é que é a solução?
Passa por pensar os impostos que a restauração paga. Temos talvez de pagar mais aos nossos colaboradores, passa por não haver tantos incentivos para as pessoas ficarem em casa e não trabalharem – que eu acho que realmente são incentivos – passa por haver mais apoios de Estado a nível de creche para mães profissionais poderem trabalhar. Não sou político nem tenho pretensão de o ser, mas há aqui vários temas que poderiam e deveriam ser trabalhados de forma a apoiar as empresas.
Que conselhos deixa às gerações mais jovens que ambicionam chegar ao cargo de chef?
Gostava que os mais jovens ambicionassem realmente isso, tornarem-se restauradores e empresários na área, cozinheiros, chefs, porque é uma profissão bonita. Trabalhamos com pessoas felizes todos os dias, que vêm aos nossos restaurantes celebrar eventos, trabalhamos com produtos espetaculares. Para quem realmente queira, é preciso ter paciência. Hoje vivemos de forma muito rápida, ninguém quer esperar por nada. É preciso passar por vários escalões, não se pode acabar o curso de cozinha e querer ser chef. É preciso aprender para depois se poder chegar a um determinado ponto. Mas acho que isto é em tudo.
Que planos tem para o seu futuro culinário?
Continuar a evoluir o nosso restaurante, continuar a evoluir a nossa cozinha e mostrar cada vez mais uma experiência melhor aos clientes. Isso para mim acaba por ser o principal.