“Podia trabalhar com o caixote do lixo de muitos chefs”
Desde março deste ano que o chef João Viegas assume a liderança do restaurante Atlântico, no Vila Vita Parc Resort & Spa.

Carla Nunes
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Desde março deste ano que o chef João Viegas assume a liderança do restaurante Atlântico, no Vila Vita Parc Resort & Spa. Com uma cozinha assente num conceito vegetal, o chef trabalha um menu que, mais do que dirigir-se a vegetarianos e vegan, pretende oferecer pratos que todos possam desfrutar.
Foi no Congresso dos Cozinheiros, organizado pelas Edições do Gosto, que encontrámos o chef, onde esteve presente para um workshop. Enérgico, e sempre com um sorriso no rosto, João Viegas desfia o seu percurso profissional em entrevista à Publituris Hotelaria, além de explicar o conceito que tem desenvolvido no Atlântico e a importância do aproveitamento de produtos na sua cozinha.
Porque escolheu a cozinha como percurso profissional?
Os meus pais tinham um turismo de habitação, uma quinta muito pequena e familiar, que era dos meus avós. O meu pai desenhava cozinhas domésticas e a minha mãe cozinhava um pouco com uma amiga. Juntas começaram a dar mais dinâmica ao turismo, com eventos como casamentos, batizados e jantares temáticos. Acompanhei muito isto na minha infância. De passagem para o futuro, achei que também seria interessante dar o acompanhamento e lancei-me para a parte da culinária, na Escola de Hotelaria e Turismo de Faro.
Após alguns anos a trabalhar em Portugal fez estágios em Espanha, no Peru e no Reino Unido. Porque sentiu necessidade de o fazer?
Até hoje, depois de 13 anos de cozinha, tenho necessidade quase todos os anos de sair nas minhas férias. O Algarve é muito sazonal. Estamos a tentar quebrar essa parte, mas é complicado e temos um bocadinho mais de tempo. Aproveitava para ganhar conhecimento, conhecer outros chefs, culturas e produtos. Toda essa minha viagem é dentro desse potencial de futuro. Temos uma boa cozinha, mas acho que o mundo gira. Temos de ver o que os outros fazem, criar laços interessantes, e quanto mais longe, melhor.
O que trouxe dessas experiências? Teve algum choque cultural?
Internacionalmente, sim. Quando fui para o Peru parecia que não sabia nada, porque [não temos nenhum dos produtos que eles usam]. A cultura gastronómica e o produto local são muito diferentes. São coisas que não conhecia, mesmo. Enchi a bagagem com essa parte.
Essas experiências influenciaram-no?
Sim, ligeiramente. Dentro do produto não os podemos trazer para cá, são os que conseguimos usar se formos lá, e não é bem o meu estilo de vida hoje em dia. Quero usar as coisas locais, coisas nossas. Claro que quando nos juntamos a outros que têm um potencial gigante a nossa criatividade cresce de outra maneira. Se ficarmos no nosso canto ela também cresce, vai-se desenvolvendo, mas o contacto com os outros, que são grandes masters de cozinha e têm uma mão muito grande hoje no mundo torna as coisas muito mais fáceis.
Apesar destas experiências internacionais voltou ao Algarve. Porque não outra região, porquê voltar a casa?
Trabalhava em Lisboa e voltei ao Algarve depois de dois anos no Eleven, com o chef Joachim Koerper. Regressei mais porque estava inserido num projeto de sete anos, o São Gabriel. As minhas origens são algarvias, gosto de estar no Algarve, mas trabalho em qualquer parte do mundo, em qualquer lado.
Foi passando sempre por restaurantes de rua, não de hotéis. Agora que trabalha numa cozinha de hotel, nota diferenças?
Não noto diferenças porque o hotel em que estou inserido é um hotel de conceitos, de muitos outlets. Trabalhamos praticamente como se fosse um restaurante de rua. O cliente vai lá jantar e tem a possibilidade de ir a um restaurante japonês, ao Atlântico, ao Ocean, de duas estrelas Michelin ou de praia. A organização, a logística da coisa, sim, é um hotel. De resto, não tem nada a ver, é como se fosse mesmo um restaurante. Por isso é que estou no Vila Vita Parc e não noutro hotel que não trabalha com esse registo, porque eu gosto mesmo é deste estilo.
Já está no Atlântico desde março deste ano. Quais têm sido os principais desafios?
Talvez a equipa, trabalho com uma equipa pequena. Tenho muitos pratos na carta e alguma dificuldade em simplificar, acabo por ter um trabalho externo mais pesado. Temos um volume constante de 50 jantares e torna-se um bocadinho difícil.
Que menu trabalhou para este restaurante?
O conceito em que apostei, e que eles quiseram dar seguimento, era numa onda mais vegetal. Não queremos um restaurante vegetariano ou só para vegans, mas como há muita procura, queremos dar uma carta onde haja muita variedade e a hipótese de [os clientes] comerem à vontade – desde a entrada, principais a sobremesas – e ter uma refeição divinal. [Isto] dentro de um conceito de cozinha moderna e sofisticada, respeitando a tradição, o produto local e buscando as receitas antigas.
Era algo a que já estava habituado, trabalhar conceitos vegetais?
Não, tive de mudar um bocado a maneira de pensar. Faço uma alimentação muito à base de vegetais em casa, por isso não é que seja difícil, mas tive de me adaptar. O Algarve trabalha muito com peixe e marisco e dentro da minha cozinha sempre trabalhei com algas, microalgas, mariscos. O vegetal foi com mais calma, mas está a ser divertido.
Tem de haver uma mudança na mentalidade para se trabalhar de outra forma?
Tem de se pensar de outra maneira. Tem de se conseguir agradar, porque às vezes um prato vegetal não agrada tão facilmente como uma boa carne, um bom peixe. Temos de dar outra confeção, outro sabor e outra intensidade para a pessoa sentir-se confortável. Não é só pôr salada, salada e a pessoa come, não é?
Hoje fala-se muito da questão da sustentabilidade, de pratos vegetarianos e vegan. Acha que é mais uma questão de tendência ou é mesmo o futuro?
É um pouco o futuro. Não digo que toda a gente vá virar vegan ou vegetariano, mas é uma coisa que temos de conseguir introduzir um pouco mais para a nossa saúde, também para a sustentabilidade dos produtos. Às vezes massacramos demasiado certo produto e torna-se fraco para o consumo. Já estamos a sofrer com isso. Há que ter outra maneira de pensar.
Relativamente ao aproveitamento de produtos, é algo que também já faz no Atlântico?
Não é um trabalho do Atlântico, é um trabalho que levo desde praticamente quando acabei o curso. Tenho essa mentalidade, esse respeito pelas coisas, no sentido de aproveitar. Podia trabalhar com o caixote do lixo de muitos chefs. Certas coisas que vão fora dão para fazer um bom prato. É uma maneira de pensar, criatividade e estar. De um produto que pode ser escoado, sem necessidade, podemos colocar-lhe uma guarnição, um caldo para completar…. Há mil maneiras de elaborar.
Que produtos não podem faltar na sua cozinha?
Um bom azeite é fundamental na cozinha portuguesa. Trabalhamos muito com azeite, com refogado. De resto, um bom peixe, estou muito ligado ao mar. O marisco também faz parte da minha vida e sem eles parece-me que me falta alguma coisa. Gosto de carne, mas o peixe e o marisco são os ingredientes que me fazem feliz.
Vai haver novidades no Atlântico?
É um trabalho ainda jovem. Neste momento queremos continuar com o conceito e ver por onde são os caminhos, as sugestões que temos.
Ganhou o CCA em 2015. O prémio impulsionou a sua carreira?
De certa forma, sim. Isto é um concurso para profissionais. É falado, mas acho que falta ainda alguma comunicação. [Sinto que falta] o interesse dos cozinheiros em querer concorrer e que o concurso ganhe alguma força, para que seja mais visível. Senti que foi bom para mim. Já trabalhava com um chef conhecido, já tinha o meu nome um bocadinho marcado através dele, e o concurso ajudou bastante a divulgar os meus pratos. Ao fim e ao cabo, não vamos com pratos do restaurante, levei os pratos que pensei, e isso faz com que também tenha essa distinção. É uma coisa que dá mesmo trabalho. É cansativo e às vezes as pessoas também não têm paciência, querem vencer à primeira e isto não é como nós queremos, temos de lutar um bocadinho mais.
Planos para o futuro, há?
Manter-me no Vila Vita e tentar criar um conceito giro, com força, que seja sustentável, que tenha algumas pernas para andar. Que seja rigoroso e diferente, também.