“Mais do que ventos de mudança, os ventos são cruzados e de constante incerteza”
A poucos dias do 33.º Congresso Nacional da Hotelaria e do Turismo, organizado pela Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), a Publituris Hotelaria esteve à conversa com Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da AHP, e Alexandre Marto, vice-presidente da AHP, para perceber que “ventos de mudança” são esperados, no futuro, pelo e para o setor.

Victor Jorge
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A poucos dias do 33.º Congresso Nacional da Hotelaria e do Turismo, organizado pela Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), a Publituris Hotelaria esteve à conversa com Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da AHP, e Alexandre Marto, vice-presidente da AHP, para perceber que “ventos de mudança” são esperados, no futuro, pelo e para o setor.
Depois de mais de dois anos de pandemia, com uma guerra entretanto iniciada na Ucrânia, com os impactos desta nos preços da energia, bens alimentares, nas taxas de juro, no rendimento das famílias, os responsáveis da AHP admitem que a palavra mais certa para classificar os tempos que aí vêm não é tanto de mudança, mas incerteza, dados “os ventos cruzados” que se sentem.
O tema do próximo congresso da AHP é “Winds of Change”. Que ventos de mudança são esses?
Alexandre Marto (A. M.): Bem a grande questão é que não sabemos. Antes sabíamos em que direção a mudança ia evoluir, mas hoje a incerteza é a grande palavra. E, portanto, sabemos que temos ventos, temos mudança. Contudo, mais do que ventos de mudança, os ventos são cruzados e de constante incerteza. Por um lado, indicam um caminho para a hotelaria positivo, de crescimento, de inovação, de tecnologia, mas também alguns ventos de grande incerteza, nomeadamente ao nível da análise de custos, de controlo de custos, de gestão de recursos humanos, no sentido da existência dos mesmos, como da qualificação e retenção de talentos. A isto somam-se questões mais estruturais que têm a ver com o próprio financiamento das empresas que se vai alterar por força das variações ao nível das taxas de juro.
Podemos entender que já se esqueceu a pandemia e agora o foco está mais na incerteza e nos impactos por causa da guerra na Ucrânia?
A.M.: A pandemia continua a estar em cima da mesa, mas se antes era um grande ponto de interrogação, hoje é só um pequeno ponto de interrogação.
Mas há alguns mercados, por exemplo, o mercado chinês, continua completamente bloqueado e, portanto, este discurso de que a pandemia está completamente ultrapassada está muito ancorada na realidade ocidental, está muito ancorado na expectativa de que, mesmo que ela regresse, nunca regressará da mesma forma porque temos a vacinação e temos know-how para gerir o perigo de forma distinta.
Por isso, a pandemia continua a ser um ponto, mas, obviamente, não é o ponto fundamental para o turismo.
Cristina Siza Vieira (C.S.V.): Mas o que marca estes tempos é, precisamente, a imprevisibilidade. Não se consegue prever muita coisa, vivemos numa constante incerteza.
A questão interessante que iremos debater no congresso é se, efetivamente, neste contexto, a imprevisibilidade e as disrupções fazem parte do novo paradigma da normalidade e se depois de enfrentarem esta realidade, com dois anos de pandemia, com o início de uma guerra na Ucrânia, com interrupções de fornecimentos, questões logísticas, e o que ainda poderá vir, inclusive de alterações legislativas relativamente ao quadro normativo e aos acordos internacionais de importação e exportação de bens, equipamentos, etc., esta será a “nova normalidade” para as empresas? Esta permanente adaptação tornar-se-á, de facto, a nova realidade para as empresas?
Adaptabilidade e flexibilidade
Esta questão da adaptabilidade e da flexibilidade são, a partir de agora, de facto, pontos chave?
C.S.V.: As empresas têm uma missão no mundo, que é ter sucesso e ser protagonistas da economia e da sociedade e, portanto, as empresas têm de apanhar estas marés em que o preço sobe e temos de acompanhar o mercado, sustentando-o com serviço.
Um dos grandes desafios é, de facto, esta nova organização e gestão dos tempos em termos de trabalho, em momento de escassez de recursos humanos.
Por isso, como o Alexandre referiu, e muito bem, estes são tempos de ventos cruzados. O problema é que, nem sabemos de que lado é que vamos apanhar a pancada. Porque é de todos os lados, da estratégia logística, da operação, da gestão do quotidiano, tudo está em cima da mesa, num calendário marcado pela incerteza.
Voltando especificamente ao Congresso, o que é que se pretende, efetivamente?
C.S.V.: É perguntar, é deixar pontos de interrogação. Acho que estamos num momento charneira. Ou, de facto, as disrupções, as descontinuidades e a imprevisibilidade são a nova normalidade, e isso significará que as empresas e as pessoas têm de se habituar, ou se empresas e pessoas vão passar mal. Porque uma certeza temos, os tempos que aí vêm serão difíceis. Antes falávamos no pós-pandemia, agora já não é só o pós-pandemia, é o pós-guerra, as questões ambientais, a sustentabilidade.
A.M.: Acho que a reflexão que vai ser feita – “A Era da Incerteza” – espelha exatamente isto. É uma reflexão, não é uma resposta sobre o que vem aí. Será uma listagem de dúvidas que existem sobre o que vem aí.
Hoje já não falamos sequer e somente de empresários, falamos de estadistas, de serviços, inteligência, falamos de governos que têm dificuldades em tomar decisões, porque não sabem o que vai acontecer. Coisas que tínhamos como garantidas, como a globalização, está a transformar-se em desglobalização, a paz transformou-se em guerra, preços estáveis estão a transformar-se em preços instáveis, o mercado de trabalho equilibrado passou para um mercado de trabalho desequilibrado, etc..
Otimismo incerto
E que importância tem o facto de o Congresso da AHP acontecer na região Centro e mais concretamente em Fátima?
A.M.: É muito importante, porque Fátima sofreu tremendamente com a pandemia. Foi claramente o destino mais sacrificado, mas dadas as circunstâncias específicas, nomeadamente, a exposição internacional, alguns mercados que colapsaram e colapsaram quase por uma ordem específica que afetou de forma particular Fátima. Portanto, primeiro os mercados asiáticos caíram e Fátima será, porventura, a cidade em Portugal com mais exposição no mercado asiático. Depois, não sei se recorda, foi o Itália e isso afetou, imediatamente, Fátima, já que está no top cinco de mercados. Depois, afetou, principalmente, dois tipos de viagens, grupos e também as pessoas mais velhas, porque eram as mais frágeis e, portanto, mais expostas.
Portanto, Fátima mergulhou de forma muito mais intensa e muito mais rápida que outros mercados.
Mas estamos otimistas e acho que é a bandeira final do fim desta crise da pandemia, deixando entre parênteses aquele ponto de interrogação de que falávamos há pouco.
Segundo os últimos dados oficiais sobre a atividade turística em Portugal, estamos em franca recuperação. Como é que antecipam, de facto, chegar até ao final do ano 2022?
A.M.: 2022 está já fechado. Repare a hotelaria quando fala de reservas considera o pick-up futuro. Por isso, julgo que o segundo semestre vai ser muito forte. Vai ser o ano da retoma, aliás, da retoma definitiva.
A questão é saber o que é que vai acontecer em 2023. Acho que todos os hoteleiros estão marcados por uma que é medo, mas ao mesmo tempo otimistas. As reservas no livro, como costumo dizer, são de um nível simpático, o que significa que poderíamos antever um 2023 semelhante a 2022 e, portanto, os hoteleiros deviam estar contentes. No entanto, são tantos os pontos, as incertezas, tanto a nível comercial, ver como os mercados vão reagir a uma eventual recessão, como relativamente à questão dos custos operacionais, que deixam os hoteleiros apreensivos.
Agora, têm de se munir com as melhores ferramentas para prepararem o ano 2023 com grande incerteza.
Acreditam que em 2023 poderemos voltar a ter um peso maior do mercado nacional, como tivemos em 2021 e não tanto do Internacional?
A.M.: Normalmente quando se dão estas crises, estas coisas têm sido assimétricas, ou seja, Portugal tem tido crises e o resto do mundo tem encontrado diversos mercados que ficaram menos expostos a estas crises, nomeadamente, crises de dívida pública que afetou Portugal.
Desta vez, Portugal vai sofrer, mas de uma forma paralela aos restantes mercados, nomeadamente, sul da Europa, mas até do mundo. Não se sabe até que ponto é que vai haver uma recessão na Europa e vai haver uma recessão nos Estados Unidos. E a haver uma recessão nestes dois mercados, mais uma China constipada, teremos certamente uma recessão mundial e isso afetará todos os mercados. No entanto, na minha opinião pessoal, acredito que uma subida das taxas de juro pode afetar alguns segmentos em Portugal que ainda tinham margem para viajar. Ou seja, aquela classe média que além de utilizar toda a margem virtual que compartilha com o pagamento da renda da casa, renda financeira ou o rendimento operacional, mais as despesas com educação e outras, ainda tem uma parte para o lazer e para o turismo, essa pode ser afetada.
A questão da poupança de 2020 e 2021 …
A.M.: Que foi gasta em 2022. O nível de poupança que atingimos em 2022 não vai ser o mesmo que existirá em 2023. O nível de inflação e de medo, se houver uma depressão, também vai ser superior e acredito que Portugal pode ser mais afetado. Portanto, não seria assim tão otimista em relação ao crescimento do mercado nacional.
Mas mais uma vez, a incerteza é enorme, porque se a crise for muito violenta, pode haver também um movimento contraditório, que é o de não haver viagens para fora e voltar a haver apenas viagens para dentro.
C.S.V.: Acho que a incógnita para 2023 neste tocante é a inflação e como é que se vai controlar a inflação a nível interno? Porque, efetivamente, irá sobrar menos. Mas não me parece que se volte aos números insólitos de 80% de mercado interno e 20% internacional. Nós somos uma indústria exportadora.
A.M.: Poderá haver duas reações: uma reação em que as pessoas utilizem mais o destino interno e substituírem os destinos internacionais ou simplesmente consumirem menos.
Durante a pandemia 2020 2021 falou se muito dos apoios que foram dados ao setor do turismo e especificamente ao setor da hotelaria. Com estes pontos de interrogação e com esta incerteza que está prevista para 2023, esperam algum tipo de apoio extra por parte das entidades oficiais para o sector do turismo?
A.M.: A gestão mesmo governamental, como disse há pouco, a incerteza é tão grande que uma parte desta navegação inevitavelmente terá de ser feita à vista. A grande preocupação que o Governo deve ter, no caso específico do turismo, é com os balanços das empresas, porque, embora este discurso agora seja de alguma euforia e alguma euforia justificada, é uma euforia que vem depois de dois anos de desespero. Foram dois anos que afetaram de forma brutal os balanços das empresas. E, portanto, pensar que depois de dois anos de colapso total, um ano bom ao nível de 2019, volte automaticamente a colocar os balanços no positivo, é um absurdo.
Percebo que as empresas se contenham um pouco em comunicar dificuldades e sejam mais produtivas a comunicar sucesso. Mas matematicamente é impossível, depois de dois anos tão maus, pensar que as empresas de turismo já recuperaram todas.
C.S.V.: É também uma questão de posicionamento. No fundo, o Estado é o último dos últimos dos seguros. Claro que há tragédias, pandemias, etc., mas é pensar como é que as empresas estão a adaptar-se e como é que estão a gerir esta volatilidade.
De pessoas, para pessoas, mas com pessoas
Um dos temas que foi focado muito ao longo destes já dois anos e meio foi de facto a questão dos recursos humanos. Portugal tem um défice de cerca de 50.000 pessoas na área do turismo. O presidente da AHP, Bernardo Trindade, referiu em entrevista à Publituris Hotelaria logo após a tomada de posse, que o setor do turismo deixou de ser ‘sexy’. Como captar e reter pessoas na hotelaria?
A.M.: O que se passa em Portugal está a passar se em todo o mundo e em vários setores. Acho que temos, em primeiro lugar, ter alguma calma, porque o que aconteceu, mais uma vez, foi um colapso histórico na indústria. Houve um afastamento de dezenas de milhares de pessoas desta indústria e muitas delas, de facto, iniciaram funções noutras áreas e não o fizeram necessariamente porque foram receber um valor superior. Em muitos casos até acredito que não tenha sido por uma mudança de vida estrutural. Aconteceu porque aconteceu. Não houve nenhuma outra indústria que colapsou de forma tão violenta como a do turismo. Muitas, certa e provavelmente terão salários mais elevados, se bem que a nossa indústria tem vindo a ter salários mais elevados.
Há dois problemas. O primeiro problema já existia antes da pandemia e recordo a necessidade de recebermos mão de obra de outros países e de formar mão de obra e de reter talento. E este problema é um problema estrutural que existia independentemente do colapso que se deu depois e que é agora retomado. E é um problema que se vai resolvendo através do aumento salarial, à medida que os hotéis conseguem ter mais produtividade.
Mas é mais difícil contratar do que reter?
A.M.: Julgo que sim. Mas acho que as empresas estão, nos últimos anos, a instituir não só melhores salários, mas como esquemas de prémios, de remunerações, de condições que têm vindo a reter cada vez mais. Às vezes há um discurso que diz que as pessoas se zangaram com o turismo, que não regressam. Eu não creio que tenha sido isso. Simplesmente as pessoas mudaram de vida e agora vão ficar.
É provável que agora demoremos um, dois, três, quatro anos a tentar voltar a ter estes desequilíbrios.
Além dos recursos humanos, falou-se muito na necessidade de respensar o turismo, aparecendo temas como a sustentabilidade, a digitalização ou transformação digital. É por aí também que o setor da hotelaria em Portugal tem de apostar cada vez mais?
A.M.: Não há qualquer dúvida.
C.S.V.: Aliás, isso já estava a acontecer e só foi acelerado.
A.M.: No que diz respeito à inovação tecnológica, provavelmente a hotelaria é uma das indústrias que, apesar de tudo, está menos desenvolvida e gasta menos dinheiro em inovação tecnológica. Em parte, porque é uma indústria de pessoas para pessoas e, portanto, há muitas funções que nunca vão poder ser substituídas por máquinas.
Mas ainda há um caminho enorme a percorrer no sentido de aumentar a produtividade das pessoas. E isso passa muito pela tecnologia.
Do lado do cliente/hóspede as necessidades e as exigências são diferentes? Mudaram completamente? O cliente está disposto a pagar mais se o serviço for melhor?
A.M.: Essa é uma grande questão. Sabe que a imprensa adora ouvir dizer que sim e eu acho que isso não é completamente líquido. Ou seja, um serviço melhor sim, por soluções ecológicas, há segmentos que claramente sim. Não tenho certeza se o mercado na globalidade pagará.
Acho que se envolver um sacrifício monetário por parte do hóspede, este ainda não está preparado para fazê-lo. Agora, se envolver um mero sacrifício não monetário, ou seja, se for dito às pessoas para poupar na limpeza do quarto, na troca das toalhas, para poupar água, aí a consciência é cada vez maior. Mas também notamos que esta consciência é muito em função das gerações.