“A Serra da Estrela é um gigante adormecido”
Luís Veiga, administrador executivo do Grupo Natura IMB Hotels, revela os próximos investimentos do grupo e reflete sobre o estado do turismo e da hotelaria nacional.

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No interior do país moram as cinco unidades do grupo Natura IMB Hotels. Os antigos Covilhã Parque Hotel e Hotel Turismo da Covilhã que deram lugar ao Sport Hotel e ao PuraLã – Wool Valley Hotel & SPA, respetivamente, o H2otel em Unhais da Serra e os hotéis Vanguarda e Lusitânia Parque, na Guarda. Os últimos anos têm sido de investimento para o grupo que tem apostado em lavar a cara dos hotéis mais antigos. Na manga, há investimentos em novos rebrandings e mais dois hotéis a acrescentar ao portefólio – um no interior e outro no litoral. As portagens da A23 e A25, a concessão atual da Serra da Estrela e a “falta de produtos estruturados” são as maiores preocupações enquanto hoteleiro nesta região do país. Pelo meio da conversa, há ainda tempo para um desabafo sobre o mandato na AHP, terminado em 2016 e sobre os maiores desafios do turismo e da hotelaria.
O Grupo Natura IMB Hotels tem lavado a cara aos hotéis do portefólio, nos últimos anos. Quais foram os principais objetivos do novo reposicionamento destas unidades?
Nos últimos três anos foi necessário mexer na oferta do grupo e adaptá-la às necessidades e aos interesses dos nossos segmentos-alvo. Fizemos uma intervenção maciça em dois hotéis. A primeira visou um rebranding ao Hotel Turismo da Covilhã, que deu lugar ao PuraLã- Wool Valley Hotel & SPA, em 2017. Fomos buscar a herança da cidade relacionada com a história dos lanifícios e das lãs e reposicionámos a oferta, virando-a para novos segmentos. Já contamos com dois anos completos de operação e o volume de receitas subiu. Temos uma fatia de 75% de hóspedes nacionais, 10% de mercado espanhol e recebemos, também, alguns holandeses, alemães e ingleses. Quisemos que este hotel fosse o ‘hub do destino’ e criámos rotas muito interessantes. A Covilhã, que era uma cidade que se limitava a ser atravessada pelos turistas para irem para a Serra da Estrela, começou a ser também visitada. Mais recentemente, também o Covilhã Parque Hotel deu lugar a um novo conceito…
Reposicionámos esta unidade no final de 2018 para Sport Hotel Gym & Spa. Era um hotel de duas estrelas e viramo-lo para um produto que está muito relacionado com a Serra da Estrela: o turismo de natureza e o turismo ativo, com base no walking e cycling. O hotel tinha, anteriormente, uma oferta de 134 unidades de alojamento e passou a ter 103. Há bicicletas penduradas, no exterior temos uma oficina, um mega ginásio no primeiro andar e uma sala de pequenos-almoços com uma oferta vocacionada para os desportistas. No 7º piso há uma área ‘relaxing and repair’ que serve para recuperar do esforço, com fisioterapia e massagens.
Como tem corrido a operação após o reposicionamento?
Tem corrido muito bem, atingimos novos segmentos, temos uma parceria com a equipa profissional de ciclismo W52 FC Porto e recebemos estágios da pré-época da volta a Portugal.
Qual foi o valor do investimento nos rebrandings?
No PuraLã investimos 1,5 milhões de euros, e no Sport Hotel cerca de um milhão de euros. Todos os anos encerramos também o H2otel Congress & Medical Spa por um período 10 dias, com a finalidade de realizar algumas intervenções de manutenção e investimos, neste processo, 500 mil euros.
O H2otel é o ex-líbris do portefólio da Natura IMB…
Esta é a nossa unidade mais expressiva. Terminámos 2018 com 62% de ocupação, com um RevPAR de 109 euros, e com um ADR de 175 euros. Somámos 23 mil hospedes e 43 mil dormidas.
Esta é a unidade com melhores resultados?
Sem dúvida, e isso tem a ver com a diferenciação da oferta. Estamos também a conseguir bons resultados com o PuraLã, mas esta unidade ainda não atingiu o volume do H2otel, cujo preço médio é mais elevado. No PuraLã o preço médio é de 76 euros, a ocupação é de 52%, e o ADR está nos 76 euros.
Nos hotéis da Guarda, a taxa de ocupação situa-se nos 55%, o RevPAR entre os 28 e o 33 euros e o ADR oscila entre os 50 e os 60 euros. No Sport Hotel só temos dados deste ano, ainda insuficientes.
O mercado nacional representa a maior fatia de hóspedes nos cinco hotéis?
Sim, sendo que o H2otel é a unidade com uma maior expressão de mercado interno, cerca 90%. Os dois hotéis na Guarda são os que têm mais turistas não residentes, perto de 35%.
No seguimento dos passos que têm dado, há planos para um rebranding dos hotéis na Guarda?
O Hotel Vanguarda tem 12 anos e vamos iniciar um processo de rebranding em breve, num investimento de um milhão de euros. O nome será alterado para Vanguarda Design. É um hotel urbano, no centro da cidade, a questão tecnológica será vincada e haverá mais serviços e comodidades no que diz respeito ao ginásio e spa. A intervenção irá arrancar no início de 2020 e terá a duração de seis meses, não sendo necessário o encerramento da unidade.
Quais são os objetivos para o destino?
Os objetivos passam por posicionarmos o hotel para outros mercados e melhorar a performance. Estes são hotéis já rentáveis mas podemos rentabilizá-los mais com novos investimentos e satisfazer outros públicos porque a Guarda não é, claramente, um destino turístico por excelência.
E quais os planos para o Hotel Lusitânia Parque?
O Hotel Lusitânia, com 10 anos, é um biofriendly hotel, tem uma horta com dois mil metros quadrados e vamos acentuar o conceito bio com uma intervenção que será feita em 2020 e está orçada em 600 mil euros. O objetivo é alterar os materiais dentro do hotel e melhorar a horta que está à entrada da unidade.
Relativamente à abertura de novas unidades, há algum projeto na manga?
Estamos em negociações para um hotel boutique na região onde estamos integrados e temos um outro projeto em estudo no centro litoral. É um projeto criativo e diferenciador, o objetivo é transportar o conceito do H2otel para a beira-mar. Já fomos convidados para desenvolver este conceito no Brasil, em São Paulo e em Santa Catarina, mas não é fácil pensar além-fronteiras quando não há estrutura montada para isso. É mais fácil fazê-lo dentro do país, onde há mercado.
Já há timings definidos?
Não, estamos ainda na fase inicial. A fazer-se, não será mais um hotel no mercado. É uma nova oferta, que não existe.
Recusaram a proposta para expandir para o Brasil. A internacionalização não está nos planos do grupo?
Para já não. Temos de pensar e de vincar muito bem os produtos que temos em Portugal antes de pensarmos numa possível internacionalização.
Além destes dois projetos, no interior e litoral centro, Lisboa ou Porto são uma possibilidade?
Estamos atentos a oportunidades que surjam. Com cautela, porque os números já nos ditam um abrandamento do crescimento do turismo.
Hotelaria nacional
O abrandamento do crescimento turístico pode ser um travão a futuros investimentos?
Tem de haver algum cuidado com os investimentos que são feitos. Nas zonas urbanas, quem nos traz turistas são as companhias aéreas low cost, sendo pagas para isso. Quando deixarmos de pagar, elas movem-se como uma aranha e vão para outro lado. Lisboa e Porto podem deixar de ser apetecíveis daqui a uns tempos. Neste campeonato, estamos na Liga Europa e não na Liga dos Campeões. Esta dependência das companhias aéreas pode levar, de um momento para o outro, a que este abrandamento seja uma estagnação em termos de crescimento. Quem não fizer projetos diferenciadores é o primeiro a sucumbir quando o mercado estagnar.
Como olha para o desenvolvimento da praça hoteleira nos último anos?
Há aqui duas componentes importantes. A primeira, foi a forma como se permitiu o crescimento desenfreado do Alojamento Local (AL). Neste momento, há mais camas de AL do que camas de hotéis. Esta não paridade é um ponto crítico que nunca deveria ter sido permitido. Estou a falar dos apartamentos, porque uma coisa são os hostéis e casas de hóspedes que são alojamentos coletivos, e deveriam ter um regime diferente daquilo que são alojamentos particulares, como os apartamentos e os quartos.
Sobre os hotéis obviamente que ninguém vai impor um limite ao licenciamento de novos hotéis. O que se pode fazer é aceitar apenas hotéis de quatro ou cinco estrelas, como foi feito noutros destinos na Europa, como, por exemplo, em Ibiza.
Nem todos os turistas estão dispostos a pagar um quatro ou cinco estrelas. Estes acabariam por encontrar alternativas como o AL…
O inverno do ano passado já foi um teste para a enorme oferta que existe em Lisboa, com quatro estrelas a venderem a 50 euros, não estejamos preocupados com os preços.
Aí haveria uma falta de congruência entre a classificação e o preço. Qual a vantagem de só aprovar hotéis de quatro e cinco estrelas e vendê-los a 50 euros?
Se um destino impuser apenas hotéis desta classificação, isto funciona quase como que uma carta de qualidade. Em Espanha, por exemplo, existem os ‘Los pueblos más bonitos de España’, e são impostos determinados critérios. O Porto é claramente um destino boutique não é um destino massificado como Lisboa. Deveria ter uma carta de qualidade, impor regras nos licenciamentos dos hotéis, porque tem produtos que Lisboa nunca vai ter. Tem vinho do Porto e tem o Douro, são produtos icónicos naquele destino e que atraem clientes com mais qualidade. Não é preciso limitar a entrada de hotéis mas estabelecer critérios de qualidade.
Que constrangimentos traz?
A fuga ao fisco é um problema real e pouco falado do AL. Cada vez que mexem na legislação do AL, o presidente da ALEP (Associação do Alojamento Local em Portugal), Eduardo Miranda, diz que vão destruir não sei quantos postos de trabalho. Se virmos quais são os postos de trabalho que estão no AL, é tudo subcontratação e muita dela foge ao fisco, situação na qual os hotéis saem prejudicados. Há muitos estrangeiros a trabalhar nos hostéis em troca de dormida. A única coisa que o AL beneficia são os minimercados.
Relativamente aos hotéis, os investidores estão a conseguir dar um nova roupagem a hotelaria nacional e fazer hotéis diferenciadores, conforme dizia ser necessário?
Há hoteleiros que têm consciência de que é preciso oferecer produtos diferentes e estão a fazê-lo. Há outros que transformaram blocos de apartamentos em hotéis só para encher quartos e são os primeiros a baixar preços.
Turismo no interior
Referiu que nas unidades do grupo Natura IMB Hotels a maior fatia de hóspedes corresponde ao mercado interno. O que é que falta ser feito para conseguirem atrair turistas estrangeiros para a região?
O turismo do interior caracteriza-se por uma herança cultural, paisagística e patrimonial e tem de atrair mercados específicos. Há falta de produtos estruturados para oferecer. Na Beira Interior temos as Aldeias Históricas e as Aldeias do Xisto, temos o Geopark Naturtejo e pouco mais. Há ainda a herança judaica, que é expressiva na região, mas é também um produto que não esta bem estruturado. A Serra da Estrela poderia ser a zona por excelência para a prática de turismo de natureza, mas tem uma concessão atribuída à Turisestrela, que detém 40 mil hectares, ou seja, quase metade do parque natural. Esta concessão, que lhe dá exclusividade do turismo e do desporto no destino, não funciona. A Serra da Estrela é um gigante adormecido, nunca foi estruturado nenhum produto e perderam-se muitos anos por incapacidade de decisão política o que leva a que o nosso turismo seja fraco.
O que é que faria da Serra da Estrela um produto mais atrativo?
Tem de ser terminada a concessão com a Turistrela, que é aberrante. Isto vem da época marcelista foram criadas duas sociedades anónimas, uma para Troia e outra para a Serra da Estrela, porque se pensava que tinham potencial turístico. Estamos a falar de uma situação que ocorreu antes do 25 de abril e que se justificava nessa altura e que, agora, é injustificável. A Serra da Estrela é uma história sem fim e são precisas decisões políticas rápidas.
A Agência Regional de Promoção Turística do Centro de Portugal tem alguma posição definida sobre este assunto?
A entidade não é política, e não tem de se manifestar politicamente desse ponto de vista. Mas tem-se manifestado contra as portagens na A23 e A25. A região centro está muito dependente do mercado interno, é a região que tem indicadores mais fracos em termos de RevPAR, com uma média 26 euros, está no limiar da rentabilidade. Há hotéis a perder dinheiro e no limiar da subsistência. Há muita oferta que foi criada injustificadamente, inclusive por câmaras municipais. Foram as próprias câmaras a investir porque queriam ter um hotel na aldeia deles. As pessoas que trabalham nestes hotéis são quase financiadas pela câmara municipal, ou há situações em que é a câmara que paga a luz e a água. Há vários exemplos desses. Há câmaras a pagar despesas de privados para manter o hotel aberto. É uma vergonha mas acontece.
As portagens são o maior constrangimento ao turismo do interior?
É a situação mais crítica que temos no destino e na região centro. O preço de uma viagem até à Covilhã é o equivalente a uma noite, é muito limitativo. Há muitas soluções para isto, só o Governo é que não está interessado. Há hipótese de reverter este processo.
Referiu a falta de produtos cimentados na região. A oferta hoteleira sai beliscada no destino?
Só os hotéis destino como o H2otel é que conseguem particularizar-se no meio da floresta, serem diferentes e terem preços distintos. De resto, não vale a pena investir na região. Estamos entalados entre dois produtos muito fortes: o Douro e o Alentejo, ambos bem posicionados e com qualidade. No meio ficou a Serra da Estrela, que se entende como um destino de qualidade e atratividade fracas.
Há potencial para haver uma oferta turística no interior mais musculada, fora da Serra da Estrela?
Vejamos dois produtos muito idênticos: as Aldeias Históricas, em Portugal, e ‘Los Pueblos Más Bonitos de España’, no país vizinho. No segundo caso, existe uma carta de qualidade com 40 critérios. E quantos critérios têm as Aldeias Históricas? Zero. São Aldeias Históricas só porque têm um castelo, mas não têm pessoas, como é o caso de Sortelha. As pessoas entram e saem. É preciso mexer nisso tudo.
A começar pelo Governo?
O Governo anterior abandonou o interior. Não mexeu, não houve investimento. Este Governo descentralizou ao máximo, a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, mexeu no interior, criou linhas específicas de valorização do território, de produtos regionais e foi feito um enorme trabalho para descentralizar o turismo para fora de Lisboa, Porto e Algarve. Depois temos o resto da medalha, a CTP (Confederação do Turismo de Portugal) que está cada vez mais centralizada e só tem um objetivo: o aeroporto do Montijo. Consigo enumerar o que é que a CTP fez nos últimos anos: absolutamente nada. Aliás, tomou duas medidas: em 2016, fez uma alteração aos estatutos para que o presidente fosse remunerado e tivesse um ordenado chorudo e fez agora outra alteração, em 2019, para estender o cargo, ou seja, em vez dos nove anos definidos o mandato foi alargado para 12 anos. O presidente da CTP, Francisco Calheiros, só fala em hotelaria e no Montjo, para centralizar ainda mais Lisboa.
Mandato AHP e desafios futuros
Foi presidente da AHP entre 2013 e 2016. Enfrentou uma fase peculiar, entre o fim da crise e o início do crescimento do turismo. Quais os maiores desafios que enfrentou?
Quando iniciei o meu mandato a grande discussão prendia-se com o facto de os hoteleiros não conseguirem subir os preços. Depois aconteceu o que aconteceu com as companhias low cost a despejar turistas em Lisboa, a torto e a direito, e houve este crescimento. Passámos por várias fases, tivemos grandes discussões, inclusive com o secretário de Estado do Turismo na altura, Adolfo Mesquita Nunes, por causa do regime jurídico dos estabelecimentos hoteleiros. Ele dizia que o mercado se auto-regulava e, o nosso mercado, perante a liberalização, desregula-se e foi o que aconteceu com o AL. Passei pela fase de crise, de estagnação e de crescimento acelerado. Na altura, o Adolfo Mesquita Nunes quis também eliminar as estrelas nos hotéis e foi também uma grande batalha. Houve ainda muita pressão da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) que, com o crescimento da hotelaria, tentou lucrar mais com os direitos de autor e conexos. Houve uma fase em que existiu um aproveitamento de certas entidades assim que viram os hotéis a crescer.
Quais vislumbra serem os maiores desafios atuais?
Há muitas coisas para mexer ainda. Foi entregue à secretária de Estado do Turismo, no final de 2017, uma alteração do Regime Jurídico dos Estabelecimentos Hoteleiros, para haver uma maior liberalização da parte dos hotéis. A questão dos nadadores-salvadores também está pendente. Estão a comparar uma concessão de praia com uma piscina de hotel. Obrigam à permanência de um nadador salvador se a piscina for frequentada por pessoas exteriores ao hotel. É um custo enorme porque o nadador-salvador tem um ordenado e não faz mais nada a não ser estar a olhar para dentro de água. Há ainda a questão do regime jurídico da edificação urbana. Deve haver ainda um olhar mais crítico para as OTA (Online Travel Agencies), para a Booking e para o que têm feito com algum dumping nos preços dos hotéis.
Os hotéis continuam muito dependentes dessas plataformas, as reservas diretas ainda estão longe de ter o peso desejado…
Há hotéis muito dependentes dessas plataformas. No grupo IMB temos uma central de reservas online e uma física mas é preciso ter o mínimo de escala para isto. Os hotéis independentes vão ter a vida cada vez mais difícil porque têm uma dependência muito grande das OTA e este vai ser um dos maiores desafios do futuro