Opinião | A retoma e o desafio da atração de talento no turismo

Por a 24 de Setembro de 2021 as 10:21
Sérgio Guerreiro, Professor Universitário. Diretor Executivo, Westmont Institute of Tourism & Hospitality, Nova SBE

Os últimos dados estatísticos divulgados pelas entidades oficiais indiciam o início do processo de retoma da atividade turística um pouco por todo o mundo.
Embora o volume de procura ainda esteja longe dos valores pré-pandemia, são vários os sinais deste processo de recuperação. A confiança dos turistas parece estar progressivamente a voltar ao normal, confirmando que o turismo é um elemento essencial da sociedade contemporânea.
O índice de confiança dos consumidores, produzido pela OCDE, mostra que já estamos no nível de confiança pré-pandemia e, por outro lado, o UNWTO Tourism Recovery Tracker, desenvolvido pela OMT, mostra uma aceleração muito significativa na pesquisa e reserva de hotéis nos últimos meses, superando largamente os valores homólogos de 2020. Em Portugal, os últimos dados divulgados pelo INE vão exatamente no mesmo sentido.
Parecem estar reunidas as condições para que o processo de retoma se consolide, sendo que as principais organizações internacionais e consultoras de referência apontem para que o setor recupere os valores de 2019 em 2023/24.
Contudo, esta retoma traz consigo um conjunto de desafios importantes para a indústria do turismo. Muito se tem falado da transformação digital, da transição climática, da conetividade e da mobilidade, das competências dos recursos humanos, da inovação ou da compatibilidade do modelo de desenvolvimento turístico com o desenvolvimento dos territórios. Não são desafios novos, mas todos eles foram acelerados pela pandemia, que veio encurtar de forma significativa o período de adaptação que empresas e destinos dispõem para os incorporar nas suas estratégias de desenvolvimento.
A atração e retenção de talento é um desses desafios.
Numa indústria ‘human touch’ como o turismo, os recursos humanos assumem uma dimensão crítica na competitividade das empresas. Nos últimos anos, têm sido recorrentes os alertas para a escassez de recursos humanos no setor, sobretudo os mais qualificados.
Com a pandemia, o setor confronta-se com um duplo desafio: à crescente escassez de mão-de-obra, junta-se o desvio (eventualmente definitivo) de recursos humanos para outras atividades económicas menos impactadas pela pandemia.
Este duplo desafio é contemporâneo da ascensão de modelos de trabalho mais flexíveis, testados durante a pandemia e que, tudo o indica, irão permanecer numa forma híbrida, tornando mais atrativas as profissões que permitam implementar esses modelos.
Um artigo recente da Harvard Business Review sublinhava que, já mesmo antes da pandemia, era inevitável que os gestores alterassem a sua proposta de valor para os futuros colaboradores. A ascensão dos Millennials que, por exemplo, nos Estados Unidos representarão 75% da força de trabalho em 2030, implica que esta proposta evolua no sentido de incorporar os valores e exigências desta geração: horários flexíveis, diversidade no local de trabalho, engagement, autonomia e uma relação com significado com os seus empregadores. A pandemia funcionou igualmente como acelerador deste processo, alargando estes valores a outros grupos da força de trabalho, que passaram a incorporá-los também nas suas preferências no momento da escolha de uma empresa para trabalhar.
Um estudo da consultora Accenture conclui que os futuros colaboradores valorizam de forma crescente empresas que estimulem o seu potencial, permitindo-lhe ser produtivos e ao mesmo tempo ter equilíbrio na sua vida. Autonomia, políticas ativas de saúde mental, alto nível de digitalização e uma gestão que se preocupe com o desenvolvimento dos colaboradores são alguns dos componentes identificados como relevantes neste domínio.
Um outro artigo da Harvard Business Review refere que os futuros colaboradores querem trabalhar para uma empresa que privilegie mais o impacto que podem gerar no negócio da empresa de uma forma holística do que a sua produtividade em sentido estrito.
Importa ainda ter presente que a tecnologia irá, nos próximos anos, alterar de forma sensível a natureza do trabalho, com a massificação da inteligência artificial ou da robótica, por exemplo. A transição digital das empresas é hoje um imperativo e impactará o processo produtivo na economia em geral, incluindo no turismo.
Todas estas transformações implicam que o planeamento e a gestão de talento assumam uma dimensão ainda mais estratégica nas organizações, apostando decisivamente na qualificação dos recursos humanos e em políticas atrativas de gestão e retenção de talento, sob pena da perda desse pilar de competitividade para os seus concorrentes.

*Sérgio Guerreiro /Professor Universitário. Diretor Executivo, Westmont Institute of Tourism & Hospitality, Nova SBE

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