“Muitos hotéis não se ligam à comunidade e isso é um erro enorme”

Por a 30 de Agosto de 2021 as 16:52

O debate de “como será o turismo no pós-COVID” já começou e as teorias são muitas. Mas há algo em comum em todas elas: é preciso mudar e adaptar aos novos tempos, aos novos clientes, exigências e necessidades. O digital veio acelerar o processo, mas a sustentabilidade é outro fator. Empregabilidade, recursos humanos, modelos de negócio, fatores que distinguem os destinos, serviços, hotéis, foram pontos abordados na conversa (remota) com Carlos Martin-Rios, professor Associado da Ecole Hôtelière de Lausanne.

2020 e 2021 foram anos que ninguém conseguiria antever. A pandemia trouxe algo de novo para todos e, naturalmente, para o setor da hotelaria, turismo e viagens. Quais foram, são e serão os principais impactos no universo da hotelaria?

Bem, existem aspetos ou impactos negativos, mas também positivos. Comecemos pelo ano de 2019 e pelo debate que se realizava nessa altura devido ao “overtourism”, ou seja, excesso de turismo. Consegue imaginar? Existiam diversos movimentos, principalmente, nas redes sociais que diziam que se devia controlar ou colocar limites, até mesmo legislar relativamente a este “fenómeno”.

 

Barcelona e Veneza foram os movimentos mais falados?

Sim, mas não só. Barcelona, Veneza, Amsterdão, Tailândia, Rep. Dominicana. Houve vários locais por esse mundo fora onde este debate aconteceu.

Por isso, penso que um dos aspetos positivos, e gosto sempre de começar com os aspetos positivos, é compreender que existe uma necessidade para repensar o modo como se faz e gere o turismo. Mas isso, em muitos aspetos e não só num específico. É certo que o “overtourism” é uma realidade e tenho a certeza que as pessoas de Barcelona ficaram felizes por não terem tantos turistas na cidade, mas, por outro lado, a maioria das pessoas, ou melhor, dos habitantes compreenderam, finalmente, a importância do turismo.

Podemos questionar, efetivamente, se a COVID-19 veio mostrar-nos que não devemos e podemos estar dependentes somente de uma atividade económica. Mas penso que isso é oportunismo, já que a economia global sofreu com esta pandemia.

Talvez em países sem turismo não seja percetível o impacto, mas em todas as outras atividades económicas naturalmente que foram sentidos impactos.

Daí terem surgido os diversos incentivos e tipos de auxílios dos países para ajudar a economia.

Claro que sabemos que em Portugal, Itália e Espanha existe mais turismo do que na Alemanha ou na Suécia e, por isso, não podemos falar de impactos, sequer, semelhantes. Mas agora ficou claro que nos países mais dependentes do turismo o impacto foi tremendo, já que tudo o que está relacionado com o turismo, simplesmente, parou.

Contudo, acredito que esta é uma excelente oportunidade para, pensando concretamente em Portugal, colocar o foco numa estratégia a longo prazo. É preciso parar e pensar no que se quer e deseja, realmente, para o país para os próximos 10 ou 20 anos.

 

(Re)pensar o turismo e hotelaria

Está a dizer que estes países, entre eles, Portugal pararam de pensar o turismo a longo prazo?

Países como Portugal e Espanha, por exemplo, estavam a receber imensos turistas provenientes de mercados que, também eles, eram considerados, até há tempos, fortes destinos turísticos, como Tunísia, Marrocos, Egito. Essa realidade, ajudou muito os restantes países da bacia mediterrânica e ajudou imenso os países europeus a aumentar o turismo. Isso parou.

Quando falo em pensar-se conveniente e estrategicamente o turismo, não falo somente nos hotéis. Falo em hotéis, restaurantes, bares, cafés, todo o tipo de serviços relacionados com o universo do turismo.

Há que perceber e definir uma estratégia de como se quer fazer negócio e estar no negócio do turismo.

Julgo que em mercados maduros como Grécia, Itália e Espanha as dificuldades serão maiores para efetuar esta transição, irão necessitar de uma grande união de todos os stakeholders.

Já em países como Marrocos e Portugal poderá ser mais fácil lançar este debate aberto quanto às necessidades e estratégias a definir para o futuro do turismo.

Portugal, por exemplo, ao ser mais pequeno e com áreas onde o turismo ainda está em desenvolvimento, terá mais facilidade em criar uma grande aliança com todas as instituições políticas, grandes grupos e marcas, não para definir o que fazer hoje ou amanhã, mas o que fazer dentro de 15 ou 20 anos.

 

Ainda recentemente o primeiro-ministro português, António Costa, referiu que Portugal está “demasiado exposto” ao turismo e que o país terá de encontrar alternativas.

Isso foi o que quis dizer quando referi que surgirão correntes oportunistas.

Eu vivo na Suíça, país com algum e bom turismo. Contudo, não é um daqueles destinos por excelência quando se fala em turismo. Temos as montanhas, os Alpes, onde existem cerca de 300 vales com resorts de ski e respetivos hotéis. Algumas destas áreas não foram expostas à crise de COVID, já que não têm turismo. Outras, famosas em todo o mundo, foram. Se comparar o rendimento médio das pessoas a viver nestas diferentes áreas, verificará que existem vales onde vivem 50 pessoas e onde o turismo não é um problema, enquanto noutros locais, onde moram 5.000 pessoas, de repente viram-se sem turistas, sem pessoas e sem trabalho.

Então qual é a alternativa? Naturalmente, que a maioria diria para não estar demasiado exposto ao turismo, mas sim, estar exposto a um certo tipo de turismo. E aí a definição que utilizo é sustentabilidade, mas não no sentido ambiental, mas na componente económico-financeira.

E este tema é muito difícil de abordar. Sou professor na Ecole Hôtelière de Lausanne e ensino alunos que trabalharão em hotéis e o que noto, claramente, e isso pode ser um problema nosso, na mensagem que passamos, é que eles estão mais preocupados com o curto prazo do que com o longo prazo.

 

Então está a dizer que, desde cedo que a mensagem e a estratégia está errada?

Imagine quem vai efetuar um grande investimento imobiliário, num hotel esplendoroso e que o objetivo é conseguir obter retorno rapidamente? Vai construir um hotel com 100 ou 300 quartos? Se tiver 300 quartos poderá pensar que fará mais dinheiro por dia. Logo, começa a pensar em construir um hotel com 300 quartos.

Depois há alguém que lhe diz o seguinte: em vez de pensares quanto queres ganhar hoje e rapidamente, pensa em quanto quererás fazer ao longo dos próximos 10 ou 20 anos, envolvendo a tua comunidade, os teus parceiros e colaboradores. Isso é uma grande mudança.

Acredito, sinceramente, que esta mudança irá acontecer, mas a sua rapidez dependerá sempre do país em análise. Nos locais onde se compreender que a economia de serviço é importante, isso acontecerá mais rapidamente e com maior sucesso.

 

Está a querer dizer que o turismo pensa muito para “dentro”?

Muitos hotéis vivem distantes da própria cidade, não se ligam à sua comunidade, e isso é um erro enorme.

Recentemente, fiz um pequeno questionário para saber que serviços são mais utilizados numa localidade. Igreja, escola, restaurante, biblioteca municipal e, finalmente, o hotel. Ou seja, as pessoas vão mais a uma biblioteca pública do que a um hotel. Isto também é algo que terá de ser pensado, já que o hotel deverá e terá de fazer parte da comunidade. Fazer com que as pessoas locais se sintam convidadas a ir ao hotel. Temos de fazer perceber às pessoas que ter um hotel na sua localidade ou comunidade não é só para trazer turistas, é para ser experienciado por quem lá vive. É uma mais-valia, um valor acrescentado para a aldeia, vila ou cidade.

Muitas vezes as pessoas não vão ao restaurante de um hotel porque, por norma, é mais caro do que o restaurante do outro lado da rua. Porque acontece isto, se os preços de compra, de um e outro, não são assim tão diferentes?

 

Quem saiu, regressa?

E de que forma é que a pandemia afetou ou impactou as pessoas que trabalham na hotelaria? Continua a ser um setor interessante para trabalhar?

Isso também depende dos países em análise. Na maioria dos países anglo-saxónicos existe um comportamento terrível. Durante a pandemia, muitos receberam ajudas por parte dos Governos, mas despediram os colaboradores. Agora que a situação está a melhorar ligeiramente, as pessoas não querem regressar. Perceberam que se trata de uma atividade que não se preocupa com elas. Contudo, na Europa a situação é diferente.

Por isso, sim, penso que as pessoas poderão regressar, mas existe um ponto de interrogação muito grande relativamente a uma camada de pessoas entre os 18 e 30 anos. Essas pessoas tiveram 15 meses a não ir ao local de trabalho, a não estarem fisicamente no local de trabalho.

Para mim, que tenho quase 50, estes 15 meses são uma pequena parte da minha existência, mas para quem tem 18, 20 ou 22 anos, 15 meses é muito tempo, são quase 10% da vida que passaram em confinamento, fechados em casa.

Estas pessoas mais novas apreciam, efetivamente, o teletrabalho ou trabalho remoto, de terem conversas e reuniões como nós estamos a ter agora via plataformas digitais.

Ao regressar aos hotéis, a trabalharem por turnos, manhãs, tarde, noites, de não ter oportunidade de não fazer nada remotamente, isso será um grande desafio para o recrutamento de colaboradores mais jovens.

Naturalmente que não conseguimos fazer “remote hospitality”, não existe tal coisa, mas teremos de ser mais abertos.

 

Isso quer dizer que de um aldo e outro – empregado e empregador – terá de haver um shift mental?

Diria definitivamente que sim e isso acontece com esta mudança cultural e esta nova forma de pensar. As pessoas estavam a fazer as coisas de certa forma e estava a correr bem. Em países como França, Espanha, Itália, Portugal, as coisas estavam a correr bem e estava-se a ganhar dinheiro com toda a atividade ligada ao turismo.

A indústria dos hotéis, naturalmente, vai querer abrir o mais rapidamente possível e vai fazê-lo. A questão agora passa por saber se o hotel está a atrair o empregado ou colaborador certo?

Será que podemos ou devemos continuar a fazer as coisas tal como estávamos a fazer? Em minha opinião e para a maioria dos hotéis não, não poderão continuar a fazer as coisas, a gerir o negócio, a contratar, a atrair clientes da mesma forma com faziam até agora.

Se quiser contratar e reter bom talento, terá de fazer as coisas de forma diferente.

Na minha escola ensino gestão, liderança, cultura organizacional e depois ensino inovação e sustentabilidade.

Não lhe posso indicar a proporção certa, mas cerca de 60% dos meus alunos tomam uma decisão, se querem trabalhar num hotel ou noutro local, com base nas melhores práticas sustentáveis apresentadas pro esse hotel.

E não se trata de um hotel que possui um site a dizer que “somos verdes”, “não usamos plástico”, isso é “greenwashing” e os mais jovens sabem e reconhecem quando alguém quer enganá-las ou passar uma mensagem enganosa.

Atualmente, as camadas mais jovens que procuram emprego querem saber se o grupo, como um todo, está a fazer o mais correto pelo ambiente, que está a esforçar-se para o bem de todos, que trata todos por igual, com oportunidades iguais, que possuem uma consciência ambiental e social.

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