Opinião | Competências para um Novo Normal no Turismo

Por a 14 de Maio de 2021 as 12:00

Nos últimos anos, diversas organizações internacionais anunciaram a necessidade de uma transformação radical das competências dos colaboradores para fazer face aos desafios futuros.

Em 2018, um artigo do World Economic Forum referia que a crescente penetração da tecnologia e, em particular, da automação e da inteligência artificial, na vida das empresas e na sociedade em geral, teria como implicação direta uma necessidade de utilização muito superior de competências sociais e emocionais e competências tecnológicas face à registada na década anterior.

Neste contexto, assinalava a resolução de problemas complexos, o pensamento crítico, a criatividade, a gestão de pessoas, a coordenação e a inteligência emocional como competências essenciais para fazer face aos desafios do futuro, num contexto de alteração dos padrões do mercado de trabalho, com potencial emergência do trabalho remoto.

Estimava-se ainda que, até 2020, mais de um terço do conjunto de competências básicas necessárias para a maioria das funções seriam competências que não eram anteriormente consideradas crucias para essa função. Criatividade e pensamento crítico, por exemplo, seriam exigidos por mais de um terço de todos os empregos em 2020.

Mais ou menos na mesma altura, a OCDE alertava para o facto desta revolução tecnológica tornar obsoletos muitos postos de trabalho e para a circunstância de cerca de 40% dos novos empregos criados terem ocorrido em setores com elevada intensidade digital, ao mesmo tempo 6 em cada 10 trabalhadores nos países da OCDE ainda apresentavam lacunas básicas na utilização de computadores. Alertavam ainda para uma fraca participação dos trabalhadores em ações de formação contínua, particularmente expressiva nos com menores qualificações.

Era, assim, inevitável uma aposta forte na alteração destes padrões de qualificações e na introdução de novas competências na generalidade das atividades económicas.

Por cá, a Estratégia Turismo 2027 assumiu a qualificação dos recursos humanos como um objetivo estratégico para o turismo nacional e como elemento essencial para assegurar uma atividade competitiva em termos internacionais e, ao mesmo tempo, garantir a valorização das pessoas que trabalham no setor. A elevação em termos gerais das qualificações da força de trabalho do setor e a sua capacitação nos domínios do digital e da sustentabilidade foram assumidas como prioridades da política de turismo em Portugal para os próximos dez anos.

Entretanto, emerge a pandemia causada pela COVID-19, que afeta o turismo de uma forma particularmente marcante. Para além dos impactos expressivos no setor, que não cabe aqui discutir, a pandemia veio acelerar os processos de transformação que descrevemos acima, implicando uma resposta imediata em termos de qualificações das organizações e dos seus colaboradores.

Com efeito, a aceleração da utilização das tecnologias colocou a agenda da transformação digital como prioridade de todas as indústrias. A possibilidade de trabalho remoto foi adotada com sucesso, provando-se a sua viabilidade como modelo alternativo. De um dia para o outro, foram alterados modelos de negócio, reforçando-se a importância do digital. Alterações dos padrões das relações de trabalho desafiam modelos instituídos de repartição entre trabalho e lazer, favorecendo uma evolução para um modelo de work-life blend, com uma convivência entre trabalho e emprego que quebra o paradigma da jornada tradicional de trabalho. A sustentabilidade afirmou-se como compromisso e a valorização de experiências transformacionais começa a ganhar adeptos um pouco por todo o mundo, provocando uma aceleração do processo de adaptação da proposta de valor das organizações turísticas.

Neste contexto, a agenda de transformação do quadro de competências do setor ganha uma importância crescente. Diria mesmo: uma urgência crescente. 

Uma transformação a todos os níveis. Ao nível da liderança, que hoje opera num cenário totalmente imprevisível e de constante adaptação à volatilidade do mercado, exige-se que os gestores conduzam a sua organização com agilidade, promovendo a transformação digital dos seus negócios, utilizando os dados para reduzir incerteza  na tomada de decisão e racionalizando o uso de recursos num cenário de desafios ambientais importantes, adaptando-se às preferências da procura e inovando no desenvolvimento de novos produtos e experiências. Desafiante, sem dúvida.

Ao nível operacional, o desafio é igualmente exigente. Novas restrições no processo produtivo, novas ferramentas e novas formas de interagir com o cliente, maior pressão para redução de custos e melhoria de resultados operacionais.

Estas transformações impactam igualmente os processos de recrutamento e a forma como a formação ao longo da vida dos colaboradores deve encarada. 

De acordo com um estudo recentemente divulgado na Harvard Business Review, apenas 29% dos colaboradores recrutados possuíam todas as competências necessárias para a sua função. Por outro lado, em domínios como a área financeira, o IT ou áreas comerciais (fundamentais no turismo e na gestão hoteleira), as posições preenchidas hoje irão requerer, pelo menos, 10 novas competências nos 18 meses seguintes. Recomenda-se aqui um foco no potencial dos candidatos, por oposição às suas competências atuais, e planos de formação contínua. Atitude e capacidade de adaptação como regras de ouro.

Um outro estudo mencionado na mesma revista dá nota de uma outra alteração sensível no mercado de trabalho, que pode ser relevante para a atração de talento, e que se prende com o facto dos candidatos, em especial, os mais talentosos, valorizarem crescentemente o propósito dos seus empregadores, a par do habitual pacote de compensações e perspetivas de carreira. Dito de outra forma, as empresas vão necessitar de desenvolver a sua “proposta de valor” para um talento cada vez mais concorrido, mas cada vez mais essencial na competitividade das empresas.

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