“O desafio mais difícil não é abrir um restaurante, é não fechar”

Por a 31 de Março de 2021 as 10:23

Alain Ducasse lançou, recentemente, em parceria com a Sommet Education, a École Ducasse – Campus de Paris. Este é um novo palco dedicado aos apaixonados pela pastelaria e artes culinárias que têm à disposição mais de cinco mil metros quadrados com nove laboratórios, sala de análise sensorial dedicada à harmonização de alimentos e vinhos, um centro de conhecimento e diversas áreas de ‘cowork’. O objetivo é preparar exímiamente a próxima geração de chefs e líderes da cozinha.

O francês Alain Ducasse é um dos nomes incontornáveis da gastronomia mundial, assumindo o pulso de três restaurantes no Mónaco, em Paris e em Londres, cada um deles galardoado com três estrelas Michelin
Em entrevista à Publituris Hotelaria admite que a cozinha francesa tem as melhores qualidades quando se fala do futuro da gastronomia, reflete sobre os desafios do ensino na cozinha e na profissão e analisa os impactos da pandemia no setor convicto de que a grande cozinha irá recuperar rapidamente assim que as portas dos restaurantes abrirem.

Fundou a École Ducasse em 1999. O que mudou no ensino da cozinha nestes 20 anos?
Muita coisa mudou. Por exemplo ao nível do equipamento: o desenvolvimento de novas técnicas mudou a direção do ensino o mesmo se tem passado com as receitas que evoluíram significativamente. E também o perfil dos alunos: hoje o nosso público é muito mais internacional e recebemos muitos pessoas que querem mudar de carreira. No entanto, algo permanece o mesmo: a paixão pela cozinha.

Existe ,atualemente, mais potencial para se fazer uma cozinha de qualidade?
Ontem como hoje, o desafio é sempre o de criar a cozinha que se adapta à época. E o desafio continuará sendo o mesmo, dia após dia, no futuro.

Quais são os maiores desafios de abrir este novo campus em Paris?
A parceria com a Sommet Education, grupo líder na formação em Hospitality Management, mudou drasticamente o roteiro. Estamos a avançar para uma nova escala. O nosso Campus de Paris incorpora essa grande mudança. É vasto (cinco mil metros quadrados), altamente funcional, com equipamentos de última geração e, atrevo-me a dizer, um design extraordinário. Posto isto, o único desafio é aproveitar ao máximo esta ferramenta excepcional. E tenho certeza de que o vamos fazer!

O que procuram hoje os alunos no ensino da cozinha?
Varia de acordo com o seu perfil. Os alunos inscritos nos programas de licenciatura de três anos procuram o melhor acesso possível à profissão. E é exatamente isso que oferecemos ao combinarmos a formação técnica em culinária com conhecimento de gestão e deireção. No entanto, também oferecemos programas para quem muda de carreira. São mais curtos (apenas alguns meses), pois foram concebidos para pessoas que já têm algum tipo de experiência profissional. E organizamos igualmente masterclasses para profissionais sobre temas muito específicos e altamente especializados. As expectativas destes três públicos são diferentes e temos programas sob medida para atender a todos. No entanto, valorizamos sempre a abordagem prática: na culinária e na pastelaria, nada pode substituir a aprendizagem do aluno no gesto certo.

A profissão de ‘chef’ tem vindo a ser bastante popularizada nos últimos anos e há quem diga que é uma moda, principalmente para jovens aspirantes que decidem estudar cozinha com esse sonho. Concorda?
Concordo plenamente: o status social dos chefs mudou – para melhor. Cabe-nos a nós manter os pés bem assentes na terra. Quero dizer com isto que devemos ser honestos e não comprometer demais: ninguém se tornará um grande chef da noite para o dia. Esta profissão é exigente em termos de trabalho, de limitações de tempo, de carga mental. No entanto, estou muito feliz por testemunhar esta mudança no status social dos chefs. Isso dá um impulso novo e muito positivo à nossa profissão.

Quais são os maiores desafios de ser chef ?
Existem dois. Em primeiro lugar, defina o seu próprio estilo, que tipo de cozinha realmente refletirá a sua própria personalidade. Isso leva tempo, pois é uma missão muito pessoal. Em segundo lugar, ser capaz de se tornar um empresário de uma pequena empresa com sentido de responsabilidade, para gerir adequadamente a equipa e garantir a viabilidade do negócio a longo prazo.

Que características tem de ter um bom chef? E um estudante de cozinha?
Resumo através da palavra “paixão”. No entanto, esta noção cobre uma grande variedade de qualidades. O aluno deve ter tenacidade para aceitar repetir continuamente o mesmo gesto. O aluno também deve ser curioso e estar sempre pronto para aprender e descobrir coisas do mundo ao seu redor. O aluno também deve ser ao mesmo tempo humilde e ambicioso – humilde para hoje, ambicioso para amanhã.

O que diferencia um cozinheiro que se formou na École Ducasse?
O “nosso” chef está mais bem preparado para os desafios de hoje e com bases para o desenvolvimento de projetos futuros. Isto é, como já mencionei, a nossa abordagem é muito prática o que faz com que os alunos tenham a certeza de que vão aplicar de forma imediata e efetiva tudo o que aprenderam. E, simultaneamente explicamos o porquê de as coisas serem feitas dessa forma, expomos os alunos a muitos oradores, ampliamos a sua visão. É por isso que estão mais bem preparados para o futuro.

Quais são as gastronomias, a nível mundial, que têm mais potencial no futuro? Porquê?
Posso responder-lhe: a francesa – seria correcto devido ao seu património: a cozinha francesa definiu realmente o saber técnico culinário e a estrutura das refeições. Também posso responder que toda e qualquer cultura culinária do mundo tem um potencial imenso. E seria igualmente verdade. No mundo de hoje, os talentos estão por toda a parte e cada tradição culinária vale a pena ser explorada. Esta é uma ótima notícia: a riqueza da culinária continua a crescer.

Um dos grandes desafios de um chef/cozinheiro é a questão da gestão do restaurante. Nem sempre é fácil a questão financeira do negócio e há bons profissionais que veem os projetos fechar portas sem conseguir sobreviver. O que precisa de mudar?
Concordo plenamente: o desafio mais difícil não é abrir um restaurante, é não fechar. Então, não há uma resposta única e simples. Muito depende do país onde está localizado o restaurante – e até da cidade, do bairro. Sobre o estilo do restaurante, a sua dimensão, o tipo de comida, etc. Com certeza, a formação dos futuros chefs é muito importante para evitar tais acidentes de negócios. É por isso que temos módulos de gestão nos nossos programas no Campus de Paris. No que me diz respeito, presto muita atenção à renovação da oferta nos meus restaurantes – e até para reinventá-la completamente, desde a cozinha à decoração e ao ambiente.

Qual é a maior lição que esta pandemia trouxe para o setor da restauração?
Infelizmente, a pandemia não terminou e por esta razão, é muito cedo para tirar lições para o setor. Para muitos restaurantes, a questão mais importante é como sobreviver a um bloqueio muito, muito longo. Eu gostaria que aprendessemos uma coisa: as nossas escolhas alimentares têm um impacto no Planeta e, por sua vez, a saúde do Planeta tem um impacto tremendo na saúde humana. Devemos aprender a comer de maneira diferente, devemos favorecer os agricultores com pequenas explorações da agricultura de massa, industrial. Os chefs têm uma grande responsabilidade no processo: devem abrir o caminho e promover uma forma de alimentação mais duradoura.

Além dos pequenos empresários, também restaurantes estrelados têm admitido uma quebra elevada no negócio. Num cenário de crise, de que forma fica a cozinha de luxo comprometida?
A longo prazo, a ‘haute cuisine’ não fica comprometida por razões económicas. Os restaurantes top têm os seus clientes vão recuperá-los após a crise. Os restaurantes provavelmente vão precisar de repensar drasticamente a sua abordagem culinária. Foi o que fiz, por exemplo, no meu restaurante do Hôtel Plaza Athénée, em Paris, com o Naturalité – uma cozinha à base de vegetais, cereais e frutas, mais saudável e mais sustentável para o Planeta.

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *