O que está a hotelaria a fazer para ficar mais verde?

Por a 20 de Outubro de 2020 as 7:00

Os amenities em pequenos frascos de plástico deram lugar a dispensadores recarregáveis, o pequeno-almoço à carta para evitar desperdício, uma oferta de F&B com produtos biológicos e vegan ou um cartão a apelar à reutilização de toalhas de banho de forma a poupar no consumo de água. Estes são apenas alguns dos pequenos aspetos a que já nos habituámos quando visitamos um hotel. Os hábitos estão a mudar, os hotéis mais antigos estão a adaptar-se e os novos arrancam já com práticas atualizadas. Seja pela preocupação ambiental, para atrair um público cada vez mais preocupado em praticar turismo sustentável ou para poupar recursos e orçamento. A energia, a água e a gestão de resíduos têm sido os principais pontos a trabalhar. Cada vez mais os grupos hoteleiros estão a criar programas internos de sustentabilidade a aplicar de forma uniforme nas várias unidades dos seus portefólios. A Publituris Hotelaria falou com vários hoteleiros de forma a perceber quais são as práticas mais recorrentes atualmente, em matéria de sustentabilidade, bem como os constrangimentos e desafios, principalmente, na atual conjuntura pautada por uma pandemia mundial.

Accor Hotels
Há 25 anos que a Accor implementa um Programa de Responsabilidade Social, denominado Planet-21 Acting Here, através do qual são desenvolvidas ações ambientais e sociais. O grupo destaca os cinco pilares essenciais deste programa. O primeiro, Plant for the Planet, visa canalizar as poupanças obtidas na lavandaria, derivadas do uso responsável por parte dos clientes, a projetos de reflorestação e apoio a agricultores locais. “Em termos mundiais, para 2021, o objetivo global do grupo é alcançar os dez milhões de árvores plantadas em todo o mundo e 400 projetos de reflorestação”, explica Rebeca Ávila, VP Desenvolvimento Sustentável do Grupo Accor para a Europa do Sul.
O “Love food, not waste” é outra das iniciativas desenvolvidas que sensibiliza clientes, colaboradores e público em geral para a importância de não desperdiçar alimentos. Em 2019, mais de 50% dos hotéis já contava com um programa específico para reduzir o desperdício e o grupo reduziu o lixo em três mil toneladas. Ainda no campo do F&B, as hortas urbanas são outro dos pontos a sublinhar. 36% dos hotéis do Grupo Accor em Portugal já contam com uma horta urbana para a plantação de diversos produtos frescos e biológicos, que são utilizadas na elaboração dos menus dos restaurantes dos hotéis, na carta de cocktails e chás nos bares, e até nos óleos aromáticos dos spas. No total, o grupo conta atualmente com mais de 1500 hortas urbanas em todo o mundo. A energia assume-se como outra das preocupações. “As nossas grandes prioridades para 2020 são o compromisso dos hotéis com a transição energética, através da criação de edifícios neutros em carbono. A reutilização de recursos energéticos é uma prioridade e esperamos implementar nos nossos hotéis instalações energéticas 100% renováveis. A substituição das luzes convencionais por luzes LED de baixo consumo, ou a utilização de produtos de limpeza e amenities amigos do ambiente, são alguns exemplos de boas práticas já aplicadas nos hotéis Accor”, explica a responsável. Por fim, a Accor tem ainda como objetivo eliminar todos os artigos de plástico de uso único dos seus hotéis até ao final de 2022.
“Estima-se que 74% dos viajantes toma decisões de consumo com critérios sustentáveis, pelo que a RSC (Responsabilidade Social Corporativa) tem um impacto direto na esfera socioeconómica e, por tanto, na nossa estratégia empresarial. Trabalhamos a experiência do cliente ao longo de todo o processo de venda, mas a competitividade nunca pode caminhar sem a mão da responsabilidade social. Ao estarmos em ambos os segmentos, turistas e empresas, mais conscientes do impacto que causam a nossas atividades, as oportunidades para um desenvolvimento sustentável serão sempre uma prioridade”, revela Rebeca Ávila.

Hotel Londres
O Hotel Londres, localizado em Cascais, adotou, desde 2018, escolhas mais eficientes com o objetivo de reduzir a sua pegada ecológica.
A unidade aposta na utilização exclusiva de lâmpadas LED assim como na utilização de temporizadores e sensores de luz. O ar condicionado e as televisões da unidade hoteleira foram substituídos por sistemas mais eficientes, contribuindo assim para a redução do consumo de energia. O hotel instalou reservatórios subterrâneos de águas pluviais que são aproveitadas para a rega da relva e plantas, assim como um sistema de água reciclada. Desta forma, reduz o consumo equivalente a 14 mil garrafas de um litro por ano.
No que diz respeito à diminuição do consumo de plástico, foram banidos os copos de plástico de utilização única sendo substituídos por copos reutilizáveis. Foram eliminadas oito mil palhinhas por ano e os sacos de plástico dos pequenos-almoços e take-away deram lugar a sacos de papel. Os hóspedes podem ainda encontrar vários pontos ecológicos de reciclagem, espalhados pelo recinto desta unidade hoteleira.

Lisbon Marriott Hotel
O Lisbon Marriott Hotel assume que tem feito uma aposta, nos últimos seis anos, em diversas iniciativas sustentáveis. No âmbito do Portugal Business Council, uma das iniciativas que todos os hotéis Marriott em Portugal implementaram através de uma parceria de colaboração com a ANP|WWF (ao abrigo do projeto Fish Forward), foi a da promoção do consumo responsável de peixe nos restaurantes com vista a criar cartas e menus mais sustentáveis e responsáveis para com os nossos oceanos. A unidade tem vários programas implementados como o Programa MESH (Marriott Environmental Sustainability Hub) que visa monitorizar a utilização e custos da energia, o Programa Green Team que consiste em garantir que a separação de resíduos no hotel é adequada e, por fim, a parceria com a Re-Food que promove a redução do desperdício alimentar. Para Elmar Derkitsch, diretor-geral do hotel lisboeta, há vários aspetos essenciais aliados a todos estes programas. A diminuição da pegada de carbono, a contribuição para a comunidade, uma imagem mais “verde” associada ao hotel e a redução de custos e alocação incentivos económicos são os principais motores destas políticas.

Pestana
O Grupo Pestana criou, em 2009, um programa corporativo para a transversalidade da
sustentabilidade no grupo: o ‘Pestana Planet Guest’.
Este programa, sob o lema “Somos apenas hóspedes do planeta”, tem por base os exigentes princípios de sustentabilidade, assentes nos pilares económico, social e ambiental. Trata-se de um conceito agregador que transmite a posição do Grupo Pestana e dos seus colaboradores como uma organização e um coletivo de pessoas que respeita e valoriza o ambiente, a sociedade e ética corporativas como fatores responsáveis do equilíbrio do mundo.
Em 2019 este programa foi atualizado e foram definidos seis eixos de intervenção centrais que caracterizam a atuação de sustentabilidade: apoio e relação com a comunidade local,
educação e cultura, respeito pelo meio ambiente e recuperação e preservação do património classificado; responsabilidade social interna e apoio a projetos de empreendedorismo.

Vila Galé
O grupo Vila Galé assume a implementação de várias medidas nas unidades do seu portefólio. A implementação de sistema de gestão e monitorização de água, energia e resíduos é uma delas a par com o desenvolvimento de estudos de viabilidade de utilização de energias renováveis, do recurso às energias renováveis em várias unidades, da recolha seletiva de resíduos, da reutilização de águas e das ações de sensibilização sobre boas práticas ambientais para os colaboradores.
“Esta consciência está na génese da empresa, pela busca incessante de modernização e otimização ao longo do tempo, com consequentes resultados nestes campos. De qualquer modo, afirmaria que existe um planeamento mais robusto e detalhado desde 2008/2009. Nessa altura, por exemplo, inauguramos o nosso primeiro hotel com certificação energética. Fomos também pioneiros no lançamento do conceito ‘paper free’, que lançámos em 2017, quando abrimos o hotel Vila Galé Porto Ribeira. Aqui, o recurso a papel foi substituído pela utilização de tecnologia, apps, dispositivos móveis e pelo privilégio do online e do digital no relacionamento interno, mas também com clientes e fornecedores”, refere São de Reinaldo Silhéu, diretor de Qualidade, Ambiente e Segurança da Vila Galé.

Savoy Signature
“Savoy Green Spirit” é o compromisso ambiental do grupo madeirense. Enquadrado neste propósito nasceu o “Programa Plástico Zero” que visa reduzir a utilização de plástico em todas as unidades, dos quartos aos espaços de restauração, apostando em materiais como a madeira, o cartão e o metal.
A Savoy Signature detém ainda as certificações internacionais de sustentabilidade Green Key, Travelife e TÜV, que ajudam os hotéis em todo o mundo a melhorar os seus impactos ambientais, sociais e económicos de forma sustentável. “A maior vantagem que decorre da implementação destas práticas é sentirmos que estamos a promover a prosperidade e a qualidade e a criar uma mudança social, ambiental e económica tendo em vista o bem comum e a sustentabilidade do turismo. Além disso, estas soluções traduzem-se num respeito acrescido por fornecedores, colaboradores e clientes, o que permite uma maior confiança e satisfação de todos na nossa empresa”, explica Alice Costa, Responsável de Qualidade, Segurança Alimentar e Ambiente na Savoy Signature.

Stay Hotels
A Stay Hotels refere à Publituris Hotelaria que tem vindo a adotar múltiplos comportamentos amigos do ambiente. São disso exemplo a redução do uso de embalagens plásticas descartáveis, a correta separação de resíduos, a disponibilização de bicicletas STRIDA de forma gratuita para os hóspedes visitarem as cidades de uma forma ecológica e saudável bem como a seleção de parceiros com base em critérios de sustentabilidade (por exemplo, que apresentem certificações neste sentido).
Foi ainda adotada nas unidades a água da marca Earth Water, a única em Portugal produzida em embalagem Tetra Pak, facilmente reciclável, e que contribui para a garantia de uma gestão florestal responsável e sustentável. As mangas plásticas usadas para o embalamento de almofadas foram substituídas por mangas biodegradáveis à base de fécula de batata, que se decompõem no fim da sua vida útil de forma natural.
Da lista de boas-práticas faz ainda parte a doação de roupas em bom estado a instituições. O formato digital é também o meio preferido para a partilha de documentação.”Destacamos ainda o Green Cork, um projeto implementado em Portugal pela Quercus que promove a recolha de rolhas de cortiça para reciclagem. Nos bares das nossas unidades, as rolhas de cortiças das garrafas de vinho são depositadas num recipiente próprio para o efeito para serem encaminhadas para reciclagem, de modo a dar outra vida a este material natural”, acrescenta Jorge Bastos, administrador da Stay Hotels com o pelouro das operações.

Zmar Eco Experience
A unidade da Zambujeira do Mar soma certificação no campo da sustentabilidade e acumula práticas nesta área. O hotel recorre a equipamentos que permitem a redução do consumo e reutilização das águas das piscinas e águas residuais para rega. No campo da energia, a iluminação e o aquecimento das águas sanitárias é feito através de painéis solares. A redução do consumo de produtos embalados e a reciclagem de materiais usados fazem parte da política de gestão de resíduos. Foram já recicladas 380 toneladas de plástico que foram transformadas em peças de mobiliário. O Zmar instalou ainda vários pontos com água gratuita que os hóspedes podem colocar nas suas garrafas recicláveis. Há ainda atividades dirigidas aos mais novos sobre reciclagem e o respeito pelo meio ambiente.

Desafios
Várias são as medidas que a praça hoteleira nacional tem vindo a adotar nos últimos anos com o objetivo de ser mais sustentável. Contudo, os processos nem sempre são fáceis e há vários desafios pelo meio. A reeducação das pessoas para implementação de iniciativas de sustentabilidade, a contribuição dos hóspedes para a diminuição do uso excessivo de energia e água, a conciliação das atividades de sustentabilidade com a atividade laboral e a falta de incentivos e apoios económicos adequados são os principais constrangimentos apontar pelo diretor do Lisbon Marriott Hotel. A responsável da Savoy Signature concorda com Elmar Derkitsch quanto às dificuldades de sensibilização de equipa e hóspedes. “A defesa do meio ambiente constitui para nós um desafio e uma preocupação constantes. A sensibilização de funcionários e hóspedes nem sempre é fácil, e é por isso que apostamos continuamente em ações de formação e iniciativas de consciencialização. Além disso, muitas das vezes o custo imediato com as medidas a implementar pode também ser uma das dificuldades”, aponta. O administrador da Savoy acrescenta outro tópico à discussão: “O maior desafio passa por encontrar soluções que sejam equilibradas, ecológica e economicamente. Infelizmente, nem sempre os produtos mais amigos do ambiente são os mais acessíveis, e esse fator influencia naturalmente na tomada de decisão em algumas áreas”. Para o administrador do Zmar, Francisco de Mello Breyner, e para a Communication & Public Relations, Francesca de Mello Breyner, o desperdício de comida por parte dos clientes é outro dos calcanhares-de-Aquiles em matéria de sustentabilidade e foi para tentar amenizar este problema que a unidade criou um programa de desperdício zero de comida.

COVID-19, um passo atrás?
Nos últimos anos a guerra ao plástico tem sido feroz e, a par com os fornecedores, os hoteleiros têm vindo a fazer um esforço para reduzir o seu consumo. A eliminação dos amenities individuais ou a troca por frascos de material reciclável foi um dos primeiros passos, seguido por outros que visaram a redução ou remoção total de produtos de plástico de uso único. Depois de anos à procura de soluções mais ecológicas, nem sempre mais baratas, a pandemia da COVID-19 veio exigir novos procedimentos em prol da higiene e segurança. O plástico foi forçado a regressar a muitos hotéis que o utilizam para embalar os mais variados produtos, que anteriormente não careciam de proteção. “O setor hoteleiro teve de responder com muita prontidão a uma situação inesperada, sendo que a prioridade passou a ser garantir todas as condições de higiene e segurança recomendadas pela DGS e manter a confiança na marca. Relativamente aos produtos de limpeza, por exemplo, tivemos de dar um passo atrás, pois tínhamos já trocado alguns deles por referências mais ‘ecofriendly’ e com certificação nesse sentido. Como os produtos têm hoje de ser virucidas, as novas referências não eram compatíveis com a situação de pandemia. No entanto, apesar de algumas medidas implicarem ligeiras cedências na perspetiva ambiental, a STAY HOTELS tentou manter-se fiel aos valores da marca. A este propósito, por exemplo, nunca consideramos utilizar máscaras descartáveis para os colaboradores (em vez disso, recorremos a máscaras reutilizáveis, certificadas até 25 lavagens) e priorizamos sempre a utilização do papel em prol do plástico – passamos a disponibilizar o pequeno almoço em room service, servido numa box de cartão”, explica Jorge Bastos, Administrador STAY HOTELS com pelouro das operações.
“Para garantir a segurança de todos neste tempo de pandemia e manter a qualidade do serviço, o Grupo Pestana teve de reavaliar o consumo de produtos embalados, mas deseja dar continuidade e cumprir os objetivos do projeto ‘Say No To Plastic’, tão breve quanto possível”, aponta o grupo Pestana.
Para Alice Costa, da Savoy Signature, este foi um “retrocesso temporário” relativamente aos produtos descartáveis. “Obviamente que tivemos de investir nos essenciais equipamentos de proteção individual e em mais embalagens de produtos de limpeza e desinfetantes, mas também não consideramos que é o uso excessivo de descartáveis que vai impedir a contaminação, podendo até passar uma ideia de falsa segurança. Nas nossas unidades, avaliamos o uso do plástico inevitável e reavaliamos as necessidades regularmente. O mais importante tem sido o reforço das medidas de higiene e, nos casos em que a utilização é necessária, apostar no descarte mais adequado”, conta, acrescentando que estes novos procedimentos pesaram mais 3% no orçamento do grupo.
O diretor do Lisbon Marriott Hotel admite também um aumento de custos tanto para o hotel como para os hóspedes. Quanto à maior utilização de plástico, aponta a reciclagem e a reutilização como soluções.
O responsável da Vila Galé, acrescenta: “O plástico enquanto resíduo é sem dúvida um inimigo para o ambiente e a sua utilização “obrigatória” aumentou. Apesar disso, sabemos que é uma situação transitória e que a nossa política de reutilização e de dar primazia ao avulso e a materiais mais amigos do ambiente é para manter, sempre que possível. Em relação a sugestões de soluções, pensamos que a nossa participação não é indiferente e que passa, como até aqui, por informar e formar melhor as pessoas em como se deve atuar relativamente ao plástico. No nosso caso, desenvolvemos redes de incentivo e reconhecimento internas pelas boas práticas que as diferentes unidades apresentam ao longo de cada ano. Em suma, apesar da conjuntura, mantivemos a nossa política de plastic free que já vínhamos introduzindo nos hotéis, reduzindo a utilização de plástico único sempre que possível”.
“O Grupo Accor mantém o seu compromisso de eliminar os plásticos descartáveis até ao final de 2022. Alguns itens são autorizados excecionalmente para cumprir as normas sanitárias de cada país, mas isso não significa que se está a dar um passo atrás. Os protocolos e medidas sanitárias reforçadas podem implicar maiores impactos ambientais, uma vez que se recorre ao uso de plásticos descartáveis (máscaras, luvas, gel higienizador e embalagens F&B individuais), à temperatura mais elevada na lavagem de roupas e roupa de cama e à utilização de mais químicos (produtos de lavagem, gel higienizador). Mesmo assim, favorecemos os produtos reutilizáveis, dispensadores e práticas sem desperdício: máscaras, lenços, luvas, garrafas individuais (hydro, amenities, água) e os acessórios nos quartos podem ser substituídos por soluções mais ecológicas. Relembramos os hóspedes para não deitar fora as máscaras e as luvas (uma máscara leva 400 anos a desaparecer na natureza) e não excedemos a temperatura de 60º na lavagem da roupa”, conclui Rebeca Ávila.

*Artigo publicado na edição de setembro da revista Publituris Hotelaria. 

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