Há uma nova crise no horizonte, e agora? As respostas dos especialistas

Por a 4 de Maio de 2020 as 14:30

Filipe Santiago, managing partner da BlueShift, Miguel Velez, CEO da Unlock Boutique Hotels, Ana Beatriz, CEO da AB&C Hospitality e Margarida Almeida, CEO da Amazing Evolution analisam a atual conjuntura e avançam com estratégias para enfrentar a próxima crise do setor.

A praça hoteleira nacional demorou vários anos a reerguer-se da crise económica de 2008, que ainda ecoa na memória dos profissionais do setor. Depois de uma vaga de encerramentos, falências e despedimentos, a luz ao fundo do túnel apareceu e a volta foi dada com a entrada num período de crescimento do Turismo, que ajudou a hotelaria a reinventar-se, com novos projetos e investimentos, com a remodelação de muitas unidades, novos conceitos e com a aposta na diversificação de destinos. Foi mais de uma década de trabalho que fica agora ameaçada com a pandemia da COVID-19. Em poucas semanas a incerteza é a única hóspede da hotelaria nacional que se vê a braços com um futuro incerto e que a única certeza que tem é que os próximos anos vão ser difíceis para o setor. O que espera os hotéis? Será esta crise pior que a anterior? Como reagir rapidamente? Quais as estratégias a implementar? As perguntas são muitas e as respostas são avançadas com cautela, por parte dos especialistas consultados pela Publituris Hotelaria. Responsáveis por empresas de gestão hoteleira, e, nalguns casos, habituados a cenários menos positivos, todos concordam que este é um enquadramento sem precedentes e imprevisível.

“Não tenho dúvidas de que vêm aí anos difíceis para o setor, e que vamos ver muitos hotéis a entrarem em dificuldades”, refere Filipe Santiago, managing partner da BlueShift. Miguel Velez, CEO da Unlock Boutique Hotels enumera algumas consequências: “encerramentos, falências, negócios que se salvam agora mas não aguentam no futuro”. Ana Cristina Beatriz, CEO da AB&C Hospitality acrescenta à lista o desemprego, as “contratações ainda mais precárias e com vencimentos mais baixos e que levaram à pouca qualificação nas unidades” não esquecendo que o atual momento é propício a “fragilidades psicológicas mais acentuadas que levam a decisões menos corretas”.

Quais são os hotéis que estão mais suscetíveis?
Face às previsões pouco otimistas, quais serão as unidades que estão mais expostas às consequências da crise que se avizinha? Filipe Santiago distingue três grupos: as sub-otimizadas a nível comercial e operacional “à custa de um mercado em forte crescimento, mas que não conseguirão ser viáveis num mercado mais retraído e mais concorrencial”. O segundo grupo de risco é, para o especialista, os hotéis sobreendividados e, por último, “as unidades, muitas de caráter familiar, em destinos turísticos menos consolidados, e que foram muito catalisadas por programas como o QREN e o PT2020, com base em planos de negócio pouco realistas. Muitas já estavam condenadas, mas o processo poderá agora ser bem mais rápido”, vislumbra.
Ana Cristina Beatriz aponta os “alojamentos locais e unidades independentes de pequena e média dimensão” como sendo o maior foco de preocupação. Já Miguel Velez vê algumas qualidades nas pequenas unidades que podem ser vantajosas. “As unidades mais pequenas têm menos músculo financeiro mas são potencialmente mais ágeis. As maiores têm outra capacidade e se forem ágeis conseguirão potencialmente sair melhor, mas não me parece que alguém sai bem desta crise. Torna-se cada vez mais importante ganhar dimensão sem perder a agilidade e rapidez na decisão”.

Que medidas imediatas devem ser tomadas?
“Cada realidade terá o seu medicamento. Globalmente falando, cortar custos é inevitável e ter apoios que vão muito além dos de financiamento são essenciais, como carência no pagamento do IVA e dos encargos sociais. Isso são medidas imediatas de injetar dinheiro nas empresas para as mesmas sobreviverem”, avança o CEO da Unlock Boutique Hotels. Já Filipe Santiago, vê com algum ceticismo algumas medidas de apoio anunciadas para as empresas: “Esperamos que as medidas de apoio tomadas, através de mecanismos como o lay-off, o adiamento de algumas obrigações fiscais e linhas de financiamento especiais dêem algum oxigénio às empresas hoteleiras. No entanto, é uma tarefa ciclópica. Muitas das medidas adiam pagamentos, mas a conta chegará mais à frente. Outras obrigam as empresas a adiantarem o dinheiro e a aguardarem pelo reembolso por parte um Estado que não tem a melhor das reputações nesse campo”. Sobre o período de recuperação, a CEO da AB&C Hospitality fala na importância da aposta no mercado interno. Margarida Almeida, CEO da Amazing Evolution, concorda: “Neste momento é fundamental reforçar a estratégia que há muito vínhamos implementando no mercado nacional. Sempre considerámos o mercado interno muito interessante. Reforçar o lema ‘vá para fora cá dentro’ vai ser essencial para a retoma do negócio hoteleiro, mas, em simultâneo, é fundamental repensar a estratégia para aos mercados internacionais”.

Miguel Velez sublinha ainda que o marketing terá um papel fundamental no processo de recuperação e promoção. “Vai ser preciso voltar a arrancar com as máquinas quer de vendas quer de marketing em todas as suas componentes. O mundo inteiro vai fazer o mesmo e isso fará com que exista muito ruído, Campanhas grandes, impactantes e que vendam experiências em mercados chave são na minha opinião críticas e o Turismo e Portugal e as Entidades de Turismo terão um papel crucial”, explica. Ana Cristina Beatriz afina pelo mesmo diapasão: “Se existe departamento que não deve parar é exatamente o de marketing e o de “mentoring”. Temos de nos preparar para lançar campanhas que levem ao consumo interno em especial e para todos os bolsos. Nós hoteleiros temos um dom: proporcionar momentos fantásticos e únicos aos outros, e em breve muitos estarão desejosos destes momentos”, refere.

Que erros foram feitos neste último período pós-crise?
Aprender com os erros do passado é uma premissa útil à vida e ao negócio. Durante os últimos anos, apesar dos bons resultados do setor, houve erros, na opinião dos entrevistados, que poderiam ter sido evitados. “Um dos erros foi não aprender com exemplos internacionais de excesso de novas unidades e esquecer que as cidades precisam de manter os seus costumes, tradições e residentes. Aliás é isso que os turistas procuram no nosso país, a diferenciação e genuinidade de um povo”, aponta Ana Cristina Beatriz. Filipe Santiago também não deixa de fora da equação o elevado número de hotéis que foram abrindo. “Considero que se criou um clima de euforia e uma certa ideia de facilidade, em que qualquer pessoa comprava um ativo, concorria a uns fundos do PT2020 e tornava-se hoteleiro. Ao longo dos últimos anos muitos deste projetos começaram a correr mal, nomeadamente no final dos períodos de carência do financiamento, mas muitos foram-se aguentando à custa de uma mercado fortíssimo, sobretudo em Lisboa e Porto”, diz, afirmando que acredita que “muitos destes empresários vão perceber agora que não se tomam decisões de investimento sem levar em conta o ciclo económico. E que, num mercado menos aquecido e forçosamente mais concorrencial, é essencial assegurar competências de gestão adequadas a todos os níveis e que muitas vezes lhes faltam”.

O managing partner da BlueShift afirma ainda que um dos problemas da última crise foi o prolongamento da vida de hotéis em situações operacionais inviáveis. “O maior risco, na minha perspetiva, é acontecer o que aconteceu em 2008-12, em que o problema não foi fecharem hotéis, mas antes fecharem hotéis a menos, amparados sobretudo pela banca, que os deixou arrastarem-se moribundos com estratégias predatórias de preços que arrasaram o mercado”, critica.

Quais as oportunidades?
A lista de constrangimentos é extensa mas, ainda assim, há oportunidades e aspetos positivos que podem advir da atual conjuntura. Ainda na mesma linha de pensamento, Filipe Santiago acrescenta que há uma maior preparação atualmente para enfrentar os desafios. “Felizmente, chegamos a esta crise com algumas lições aprendidas. Basta falar com a banca e entender como hoje olha de forma muito mais crítica para os números que lhes são apresentados e percebem melhor o valor estratégico de um bom projeto, de uma marca internacional ou de uma gestão profissional. Acredito, por isso, que não se repetirão erros do passado. O resultado passará, seguramente, por menos hotéis a arrastarem-se moribundos, e mais hotéis a mudarem de mãos, a serem reestruturados, a serem alvo de ‘rebranding’, a contratarem gestão profissional e, assim, a ganharem nova vida”, enumera.

Ana Cristina Beatriz refere que está aberta uma janela para outras oportunidades como a necessidade de formação qur no digital quer aprendizagem e aquisição de métodos mais eficazes de higienização nas unidades hoteleiras, sendo que terá de haver investimento por parte das unidades no seu departamento de housekeeping.

“De todas as mensagens deste vírus, a maior é: a paragem do mundo melhorou o planeta pelo que será decisivo na escolha do consumidor as unidades preparadas para a contribuição desta sustentabilidade e responsabilidade social”, conclui.

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *