Quando os turistas são forçados a tirar férias do turismo

Por a 29 de Abril de 2020 as 10:40

Fui há alguns meses convidado a participar num ‘focus group’ para uma tese de mestrado cujo âmbito de estudo era precisamente uma análise estratégica ao setor do turismo de uma forma global, tendo como pressuposto cenários com contextos de partida diferentes.

Recordo-me que um dos contextos de estudo, focava uma degradação das condições económicas e uma retração da economia mundial de forma abrupta. Diga-se em defesa de honra própria, e no refúgio da unidade de grupo, que este foi o cenário catalogado como o menos provável de acontecer. Que banho de humildade para este grupo de participantes no qual me incluo, cujo pretexto de convite à participação era a perspetiva visionária do setor.

Pois bem, não deixa de ser uma grande ironia dos tempos modernos, que a grande mobilização mundial passa por estarmos todos imóveis. Impressionante até como as grandes ameaças “se servem” em pequenos formatos. É um mundo de contradições, e nestes extremos polarizados, vivemos o nosso dia a dia terreno, numa procura de convergência, comunhão, solidariedade e interajuda, estreitando as diferenças e aproximando os polos.

Nunca, na minha memória de vida, os atores do turismo foram chamados a reajustarem-se tão rapidamente como agora. Mas neste cenário de “férias forçadas do turismo”, é com realismo e otimismo que tenho encontrado o ânimo de quem está na linha da frente. Operadores e investidores conscientes da dureza da realidade presente, porém confiantes relativamente ao futuro e disponíveis para continuarem expostos e aumentarem a sua presença no setor.

Será, com certeza, um ano 2020 muito difícil, e ainda incerto quanto ao sucesso da operação de verão. Mas se há ilações que se podem tirar de casos passados é a resiliência que o turismo apresenta. A capacidade de recuperar e voltar a crescer após situações de stress. Foi assim na primeira recessão dos anos 2000 e do 11 de setembro,  no primeiro episódio do SARS em 2003, da grande crise financeira e surto da gripe suína entre 2008 e 2009, na crise de dividas soberanas da zona euro em 2013 e mais recentemente dos ataques terroristas em Paris, Londres, Nice, Bruxelas, Manchester, etc.

Em todos os episódios atrás descritos o turismo retomou assim que restabelecida a confiança, com um padrão de crescimento praticamente simétrico à quebra observada. Destaque para a última grande crise financeira, a qual dada a sua profundidade e extensão no tempo observou uma retoma do turismo mais lenta. Porém, a natureza daquela crise impactou os princípios de consumo turístico, algo que não se verifica atualmente.

Os fundamentais de procura turística continuam vivos e a aguardar “ansiosamente” que as barreiras à mobilização sejam levantadas, por forma a reiniciar a exploração e o intercâmbio cultural.

Talvez agora com uma intensidade e entrega mais verdadeira, depois de um período de introspeção ao qual todos nós estamos submetidos.

 

Gonçalo Garcia, head of hospitality Portugal Cushman & Wakefield

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