“Sou apaixonado por hotéis e a ideia de conseguir criar uma experiência que dura 24 horas é fantástica”

Assim que a porta do elevador se abre no quinto piso do novo Bairro Alto Hotel, os braços de Nuno Mendes tornam-se pequenos para o entusiasmo dos três filhos que se lhe agarram ao peito, como se não o vissem há dias. ‘É a receção habitual’’, brinca. Beijos distribuídos a família abandona o restaurante BAHR, o ex-líbris da oferta gastronómica do recém remodelado hotel. Os olhos do chef estão semicerrados e passam cada pormenor a pente-fino numa dança constante com a cabeça entre a cozinha, a sala e as mesas.

Hoje é o almoço estreia, o primeiro a ser servido aos hóspedes do hotel. O restaurante ainda não se encontra aberto ao público e o exercício é aplicado a uma escala menor mas não menos exigente. A cozinha aberta e sem segredos apresenta-nos a equipa que sustenta o sonho do chef português. No total, são cerca de 35 profissionais que aprimoraram, nos últimos sete meses, cada receita ao detalhe sob as indicações de Nuno Mendes. “O espírito de equipa é fantástico, temos uma relação já muito próxima. Temos treinado em escolas de hotelaria e pequenos apartamentos arrendados. Em vez de alugar um restaurante, preferi trabalhar num espaço mais pequeno. Isso proporciona uma melhor dinâmica conversa, a equipa está mais junta e conseguimos fazer as coisas um bocadinho melhor”, explica sem desviar os olhos dos movimentos da equipa.

As frases da nossa conversa são interrompidas amiúde. É preciso ultimar a ementa para o dia, ajeitar os guardanapos e vigiar a cozinha de perto. A preocupação do chef fala em silêncio. Com passos calmos, um tom de voz sereno e movimentos precisos, não há confusão a poucas horas do primeiro prato a ser servido. Mas cada linha do rosto desenha-lhe um olhar agitado que lhe imprime uma ânsia natural de quem está prestes a sujeitar-se a uma das primeiras avaliações dos hóspedes. O namoro do chef português com este projeto começou enquanto cliente do hotel. Há três anos que definiu as matrizes da sua estreia em solo nacional com a administradora Marta Tavares da Silva. Após uma carreira reconhecida internacionalmente, construída em grande parte em Londres, o salto para Lisboa acontece, finalmente, mais tarde do que desejou, admite. “A estreia demorou porque é preciso encontrar o projeto certo. Já tive em conversas sobre outras possibilidades mas nenhuma a certa. Demorou mais tempo do que gostava, gostava de já ter um projeto em Portugal há cinco ou seis anos”, desabafa, nos três minutos em que se conseguiu sentar a uma mesa.

No Bairro Alto Hotel assina os cinco espaços de restauração que se erguem desde o piso zero até ao terraço envolvido pela vista avassaladora no quinto andar. O braço direito é do chef executivo Bruno Rocha. Há uma pastelaria fina de rua, um espaço de refeições saudáveis, um restaurante boémio. Há bola de Berlim com recheio de camarão e caracol de alheira. Há sabores portugueses de norte a sul com uma roupagem honesta e evoluída. A versatilidade de opções é um dos pontos fulcrais. “Eu queria um projeto mais complexo, não queria só um restaurante de rua. Sou apaixonado por hotéis e acho que a ideia de conseguir criar uma experiência que começa e que dura 24 horas é fantástica”, assegura enquanto dá ordens a dois dos cozinheiros para irem almoçar. Sobre a qualidade da restauração nacional não hesita em afirmar que “a hotelaria mudou muito e os mais interessantes espaços neste momento de restauração estão ligados a hotéis”.
Os ponteiros esgueiram-se para perto da uma da tarde e não há mais tempo para distrações.

A barriga do chef mantém-se vazia até ao final do serviço para poder provar tudo o que atravessar o limite entre a cozinha e a sala. Nuno Mendes foge-me por entre a equipa numa dança final de provas e retificações. Daqui a pouco é hora de mostrar uma das mais aguardadas novidades da gastronomia na capital. A conversa fica para outro dia.

*Artigo publicado na edição 164 da revista Publituris Hotelaria