“Ao criar peças de comunicação que possam ser consideradas fora de tom, estamos a correr um risco”

Por a 20 de Agosto de 2019 as 9:40

Foi um apelo “quase cósmico”, confessa. Há cinco anos, Rodrigo Roquette foi desafiado a juntar-se ao, na altura, recém-nascido, Discovery Hotel Management. Na bagagem levava mais de uma década de experiência em marketing digital. Passou por diversas agências, foi diretor-geral de uma delas e deu o salto para o lado do cliente mais tarde. Uma “bagagem interessante” que o obrigou, por diversas vezes, “a mudar de chapéu e de ‘mindset’”, revela. Foi professor e, atualmente, é provável que o encontremos semanalmente no pequeno ecrã a falar do Sporting, com o tom de voz imponente e a respiração pouco espaçada. Sobre uma possível candidatura à presidência do clube admite, entre risos, que “o futuro nunca se sabe e não se devem fechar portas”. Nunca lhe passou pela ideia trabalhar em hotelaria mas sempre gostou de hotéis e viagens. A tese de licenciatura que se debruçou sobre os hotéis e a internet pode ter sido um presságio do destino. Quando recebeu o convite para diretor de marketing e comunicação da DHM não pensou duas vezes. “Percebi que havia muito para fazer. A hotelaria era quase um terreno virgem que eu podia explorar e utilizar para fazer barulho e para mostrar cores diferentes e ditar o tom e o estilo da linguagem que poderia ser utilizado no futuro. Permitiu dar uma pedrada no charco”, relembra. Por entre os corredores e portas dos escritórios da empresa de gestão hoteleira, sou encaminhada para um bar. De bancos altos e prateleiras de madeira, o cenário é-me familiar. A pequena sala ornamentada de garrafas e máquina de cerveja é o que resta do stand apresentado na BTL em 2018, que valeu à DHM o prémio na categoria “Conceito”. O espaço serve agora de ‘interview room’, explica Rodrigo, e é aqui que os potenciais funcionários do grupo são avaliados. O propósito mantém-se mas viramos o jogo e, desta vez, fazemos nós as perguntas, começando exatamente por aqui.

Ninguém espera ser recebido num bar quando vai a uma entrevista de trabalho…
Foi uma forma de quebrar o formalismo da própria entrevista. Queremos que as pessoas que estamos a recrutar percebam logo que há uma postura e uma atitude diferentes na DHM. Não só naquilo que é a operação e comunicação mas também na própria vivência do ambiente da empresa. Gostamos de contratar mais pela atitude do que pela competência. Os ‘skills’, no limite, aprendem-se e a atitude ou se tem ou não se tem.

Esse propósito começa logo com os anúncios de emprego ‘out of the box’.
Tem de haver uma consistência na nossa comunicação. Isto é um dos problemas que a hotelaria portuguesa enfrenta: a dificuldade de comprovar, efetivamente, que se é diferente. Uma coisa é dizer e outra é provar que há uma diferença. A DHM tenta que haja uma consistência a vários níveis. Desde o primeiro momento do contacto com a comunicação até à comunicação que as pessoas vivem no hotel. Há um processo que vai de A a Z. Queremos que a nossa consistência e estilo de linguagem, que representam o que é, no nosso entender, a hospitalidade, estejam presentes em quase todos os momentos, que não seja só da boca para fora.

O marketing foi uma das bandeiras mais evidentes desde os primeiros minutos de vida da DHM?
Desde o início da criação da marca da DHM que houve a perceção de que no nosso mercado português não havia um estilo de linguagem que fosse fora do padrão e isso era, obviamente, uma oportunidade de chocarmos, no bom sentido. Não trouxemos limites nem preconceitos para dentro de casa. Nunca tivemos problemas em fazer uma ‘guerilla marketing’, de ‘backlash marketing’, que era uma espécie de marketing mais ‘in your face’, mais agressivo, mais emocional, mais cómico, mais criativo, que fosse buscar cores, imagens, pessoas, frases fortes. No fundo, que não tivesse um estilo muito rígido e que fosse mais orgânico e relacionado com aquilo que é a vivência das pessoas, da atualidade. Quisemos ter um estilo de comunicação mais de acordo com marcas, virado para uma vertente de ‘storytelling’, de ter mensagens além do aspeto meramente comercial, e ter momentos de comunicação que, mesmo que não resultassem em vendas chamassem a atenção das pessoas, gerassem notoriedade. Queríamos a marca dos nossos hotéis no ‘top of mind’.

Como é que querem que os clientes vos vejam?
Não queremos que nos olhem com indiferença. A indiferença é a pior coisa que pode existir. Compreendemos que alguma da nossa comunicação é arriscada porque ao empurrarmos algumas fronteiras e ao criarmos peças de comunicação que possam ser consideradas fora de tom, estamos a correr um risco. Mas isso permite-nos, pelo menos, que as pessoas não nos olhem com indiferença. O verdadeiro sucesso da comunicação é que nos consigamos destacar no meio de tantas coisas que existem, muitas delas enfadonhas e mais do mesmo.
Quando criámos a marca DHM, fomos ver como comunicavam as outras cadeiras hoteleiras e o nosso objetivo era fazer ao contrário. Quando não sabíamos qual era o caminho certo, a estratégia era ir no sentido oposto do que os outros faziam. Atitude é a palavra de que mais gostamos. E é a melhor palavra que define hotelaria e da qual não abdicamos.

A praça hoteleira nacional tem medo de arriscar numa estratégia de comunicação menos convencional?
Não é medo, é conformismo e desinvestimento. Faz-me muita confusão que as vendas e o marketing na hoteleira integrem o mesmo departamento, porque, na verdade, não são a mesma coisa, apesar de trabalharem muitos próximas. Marketing, na sua verdadeira aceção, vai muito além de uma lógica de mercado, de venda, preço e contratos. Tem a ver com ativação de marca, com comunicação com o cliente, com a utilização de canais e ferramentas, estudo de tendências e criatividade.

O que motivou esse conformismo?
A falta de visão estratégica. Muito do desinvestimento que foi feito na área criativa fez com que não se trouxesse para dentro de casa recursos que permitissem a estes hotéis arriscarem mais e acabaram por fazer o que estava ao alcance das suas ações. Algumas marcas utilizaram agências, e bem, que acabaram por conseguir quebrar essas barreiras mas, na maioria dos casos, não foi assim.

O conceito de marketing anda a ser mal interpretado no setor?
Hoje em dia as cadeias já estão a começar a perceber a necessidade de terem estratégias de marketing mais diretas. A hotelaria é uma das únicas áreas no mercado que entrega valores muito altos de comissões a terceiros para conseguir clientes Para a DHM é fundamental que tenhamos a nossa própria estratégia de angariação e de promoção. Obviamente que recorremos a outros parceiros mas não dependemos deles inteiramente. Mal ou bem, a DHM sempre teve a estratégia de fazer por ela própria e perceber qua a criatividade e o papel da marca são bastante importantes.

Vários hoteleiros têm sustentado a tese de que a melhor promoção do produto é um serviço de qualidade e que esse é o pilar da comunicação de uma unidade…
Isso é uma resposta confortável e defensiva. É uma das grandes ameaças de várias áreas de negócio: a resistência à mudança. Independentemente de questões como o serviço, que é fundamental, existe aquilo a que se chama minuto zero da decisão e que acontece muito antes dos clientes chegarem aos hotéis. É quando as pessoas pesquisam, comparam, partilham, vão à procura de informação. Esse momento pode gerar uma perceção que, muitas vezes, atravessa todo o processo de compra e o próprio processo da estadia. Ao entrarmos num hotel que comunica com uma linguagem forte, pessoal e diferente já levamos connosco a expectativa que criámos da marca. Posteriormente, o serviço e a operação devem corresponder a essa expetativa. O impacto deixado no minuto zero é decisiva.

Como é que esse impacto é criado?
Se eu tenho uma comunicação de atitude, em que quero comunicar um estilo muito próprio, e se as pessoas captarem bem essa mensagem e durante a sua estadia reconhecerem no serviço a mesma atitude na forma de estar, na linguagem, até na vertente do design, no ‘layout’ estamos a consolidar um conceito. As coisas não existem de forma desintegrada.

Faltam profissionais exteriores ao setor dentro da hotelaria?
Claramente. Em muitos setores vemos pessoas que são contratadas pela sua capacidade criativa e porque trazem ideias e backgrounds de outras áreas que, quando mescladas noutros ambientes, acabam por gerar resultados muito interessantes. Noutros negócios não houve uma resistência em trazer pessoas de outros setores, percebeu-se que, pelo contrário, trazer profissionais com influências e ideias diferentes poderia ser uma mais-valia.

Precisamos de nos abrir ao mundo e sair da bolha?
Sim, a hotelaria portuguesa ainda tem um atraso significativo relativamente à abertura de mente e a uma linguagem mais criativa. No estrangeiro há cada vez mais pessoas exteriores à hotelaria a irem trabalhar para o setor. Em Portugal vive-se muito à volta dos mesmos de sempre, com as ideias de sempre e quando entramos no mesmo estilo de sempre, temos os mesmos resultados de sempre.

Quais são os maiores erros que estão a ser cometidos no âmbito da comunicação e promoção?
Um dos erros é não cometer erros, é o facto de os hoteleiros não arriscarem. O estilo que vemos é muito institucional, comercial, ‘hard sell’. Parece que há falta de gosto, falta de sentido estético, ausência de conteúdo mais rico, ausência de ‘storytelling’. E outro erro grave é considerar que não há a necessidade de investir mais na melhoria das plataformas, dos canais, dos conteúdos. Há o erro de ter as coisas como garantidas, de achar que é assim que se faz, porque sempre se fez.

Nos últimos anos, Portugal é um destino que se tem vendido quase ‘per si’.
É inegável que se surfou uma onda e isso beneficiou os hotéis mas continua a haver uma oferta ampla. Mesmo dentro deste jogo há os que se destacam mais. Ninguém, fazendo nada, consegue ter resultados. Tem de haver sempre um trabalho de marketing, mais que não seja para ir captar aquele que é o mercado mais qualificado para determinado produto.

De que forma está a DHM a posicionar-se nesta questão?
A DHM não se quer vender a todo o custo ou conseguir taxas de ocupação só pelas taxas de ocupação sem que isso signifique sustentabilidade no seu modelo e negócio. Queremos ter os hotéis cheios das pessoas que se adequam à nossa marca, que entendem o nosso conceito e que percebem o estilo de hotelaria que estamos a fazer. Não queremos ir a todas, nenhuma marca pode chegar a toda a gente. 80% dos investimentos que se fazem em marketing são para captar novos clientes mas o volume de negócio é gerado por clientes que já existem. Às vezes perdemos uma oportunidade de comunicar com quem gera negócio porque estamos a gastar para captar novos clientes sem olhar para fenómenos fundamentais no marketing de performance como o custo por aquisição e sem apostar nos canais corretos.

É mais difícil captar novos clientes ou manter os antigos?
É mais difícil manter os antigos. É mais fácil conseguir novos clientes porque há sempre o fator curiosidade, há sempre novos clientes para abordar e novos mercados para penetrar, novas campanhas que podemos fazer para atrair novos hóspedes. Havendo um objetivo, um conceito de comunicação e liberdade criativa, há sempre desafios aliciantes. Manter clientes atuais é mais difícil porque já não se trata só de comunicação. Envolve a vertente operacional, o conceito local, a experiência, a abordagem pessoal, a atitude da marca nos próprios hotéis. Trata-se do que é que podemos oferecer mais ao hóspede numa próxima visita?

A vossa comunicação é dirigida para algum ‘target’ específico?
Não gosto de colocar rótulos, muito menos etários. A comunicação não é jovem nem menos jovem, é comunicação e pode ser interpretada e percecionada de forma diferente. A DHM não olha para idades mas para tendências, olha mais para a vivência e para os hábitos das pessoas. Gostamos de brincar com a vida das pessoas, com as emoções. Procuramos gerar reações nas pessoas e, para isso, temos de ter uma linguagem mais informal e desconstruída que muitas vezes brinca com frases, com palavras, significados, faz comparações, hiperboliza e isso pode ser interpretado como uma linguagem mais jovem. O nosso ‘target’ são pessoas que procuram uma informalidade sofisticada, que são mais evoluídas na sua escolha, são exigentes em viver experiências mais genuínas, que entendem um estilo de comunicação mais provocador.

É possível comunicar a hotelaria de luxo e de nicho de uma forma disruptiva?
Há um conceito por vezes errado de luxo. Na realidade, o luxo são opções. Não significa candelabros, coisas douradas ou opulências bacocas. Luxo é dar opções às pessoas de acordo com o que elas gostam de fazer, preparar os hotéis para oferecer uma elevada qualidade no mesmo espaço. É permitir que a pessoas possam estar a trabalhar, a ter uma experiência ou a apreciar uma refeição com uma excelência de qualidade. As marcas, principalmente as internacionais, já perceberam que o luxo não se trata apenas do aspeto mas também da história. E cada vez mais vemos as marcas de luxo a apostar no storytelling, a fazer perceber o trabalho e a riqueza que estão associados ao produto. Mostrar luxo é mostrar como é que a qualidade está lá, como é que foi conseguida não é ostentação.

Quais são os canais mais viáveis para apostar?
Os canais certos são os que produzem resultados. O marketing não é a nossa opinião mas é o que os resultados demonstram que funciona. Na DHM o que tem resultado são os canais digitais, sejam plataformas web ou campanhas digitais, display google, ‘search, email marketing’, redes de afinação, ‘real time bidding’, publicidade em ‘social media’ e ‘storytelling’. Temos aumentado bastante o peso dos nossos canais diretos digitais. O que demonstra que a aposta resultou para o tipo de audiência que queremos. Atualmente, estamos a conseguir melhores resultados gastando menos. E este é um processo que todas as cadeias hoteleiras deveriam fazer: tentar qualificar cada vez melhor as suas campanhas, qualificar melhor a audiência e escolher os canais que utilizam de acordo com os resultados que geram.

Quais são as principais metas da DHM para os próximos anos?
Queremos continuar a aumentar o peso do nosso canal direto e aumentar a notoriedade da marca dos nossos hotéis, sobretudo no mercado internacional. O sonho é que um dia as pessoas escolham os hotéis por serem DHM. No fundo, queremos que quando alguém decide ir para determinado ponto do país vá procurar uma unidade nossa nessa área porque reconhece que há um conceito e uma atitude de hotelaria que o cliente quer viver.

*Entrevista publicada na edição de maio da revista Publituris Hotelaria.

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *