Os novos hotéis e a reabilitação urbana. Tendências recentes na Baixa Pombalina de Lisboa

Por a 12 de Junho de 2019 as 13:32

O património urbano constitui um importante factor nas motivações da procura turística em Portugal. O crescimento sustentado de visitantes e o apreço manifestado pelas áreas centrais históricas de Lisboa e do Porto assim o atestam.

Nos estabelecimentos hoteleiros (EH) criados nos últimos anos em Lisboa ressaltam duas linhas, o reforço das categorias mais elevadas e a instalação por reabilitação de edifícios com valor patrimonial e localizados em áreas históricas centrais e ribeirinhas. Estas tendências representam uma alteração ao padrão anterior, em que dominavam os EH de categorias médias/baixas, em construções de raiz.

Embora o efeito do turismo em áreas históricas não seja consensual nas ciências da cidade, uma importante linha de pensamento defende o contributo do sector para o processo de revitalização urbana, a par da oportunidade de reabilitação do edificado.

A situação da Baixa, problemas e dinâmicas. A oferta hoteleira.

As dinâmicas antagónicas das áreas históricas estão especialmente presentes na Baixa Pombalina, ex-libris do património urbano de Lisboa e seu antigo centro de comércio e serviços.

Nas últimas décadas do século XX, a Baixa enfrentou um processo de perda da sua posição na cidade, com saída da população residente e desvalorização e degradação do edificado. Para esta perda também concorreu o esvaziamento do seu papel funcional – e mesmo simbólico – com a emergência de um padrão territorial suburbano onde prosperaram outras centralidades.

Apesar deste quadro negativo, os valores do património urbano da Baixa gozam de reconhecimento internacional e conquistam os turistas que visitam Lisboa.

Para traçar a dinâmica hoteleira recente na Baixa, tomemos como referência a situação em 2012 (Setembro). Nesta data, a oferta hoteleira na Baixa ainda não reflectia o reconhecimento dos turistas, já que só representava cerca de 7% dos EH classificados no concelho de Lisboa. Segundo dados do Turismo de Portugal (TP) localizavam-se à data na Baixa apenas 12 hotéis, com uma dimensão média, em camas fixas, de cerca de 76. A capacidade total de alojamento em EH instalada era de 913 camas.

Quanto à qualificação, dominavam as categorias de 1 e 2* com 75% do total, não existindo qualquer unidade de 5*. Neste aspecto a Baixa Pombalina desviava-se desfavoravelmente do perfil da oferta hoteleira em Lisboa, uma vez que a percentagem dos EH de categorias mais elevadas (4 e 5*) aqui situados representava apenas 2% do total da cidade.

No entanto este quadro alterou-se drasticamente, posicionando-se hoje a Baixa como um centro de hotelaria de nível superior em Lisboa.

Dinâmica de localização de novos EH na Baixa

O reconhecimento da importância turística da Baixa é evidente na dinâmica de localização de novos hotéis, mesmo no quadro do notável crescimento do conjunto da cidade. Na sua estratégia, os investidores em hotelaria estão a procurar posicionar-se aqui, aproveitando também a disponibilidade de edifícios e a escassa concorrência de outras funções.

Comparando a situação da oferta hoteleira actual (TP, Janeiro 2019) com a situação em 2012 atrás referida, verifica-se um acentuado crescimento do número de EH, associado a uma inversão do perfil da oferta, com maior expressão nas categorias mais qualificadas e muito menor nas categorias mais baixas (1 e 2*).

Os actuais 24 EH existentes na Baixa duplicaram, em número, a oferta no período em apreço. Neste universo, o crescimento do segmento das 4 e 5* é especialmente significativo, representando agora, com 11 unidades, cerca de 46% do total dos hotéis aqui existentes.

As alterações da capacidade associadas a este expressivo crescimento de EH são igualmente impressionantes: estão instaladas nos hotéis da Baixa 2099 camas, o que mais que duplica a capacidade registada em 2012. Destas, 1148 (55%) são em unidades das categorias de 4 e 5*.

Quanto à dimensão actual dos hotéis na Baixa, verificou-se um crescimento de cerca de 15% da sua capacidade média de alojamento, cifrando-se agora este valor em 87,5 camas por EH. Este aumento da dimensão média é ainda mais forte se considerarmos apenas o segmento das 4 e 5*, atingindo as 104 camas por hotel.

Atendendo ao padrão dimensional dos edifícios da Baixa e à impossibilidade de ampliações, pela protecção patrimonial, o aumento da dimensão média indicia algumas operações de maior escala, com vários edifícios. Há até hotéis novos – sobretudo nas categorias de topo – que ocupam todo um quarteirão, acentuando a relevância urbanística destas operações e do uso turístico.

Também o padrão da distribuição espacial dos novos EH revela aspectos interessantes. Enquanto a hotelaria em 2012 se localizava em posições periféricas do conjunto urbano da Baixa, actualmente ocupa prime locations, procurando eixos e espaços urbanos dominantes. Esta mudança decorre da estratégia de posicionamento no mercado e no património urbano e tem, certamente, efeitos na reconstituição da estrutura funcional na Baixa e no protagonismo simbólico do sector turístico.

Um futuro de especialização hoteleira na Baixa?

Se alargarmos esta análise à dinâmica dos EH previstos para a Baixa, tomando como indicador os projectos de licenciamento já com parecer favorável do TP,  verificamos que o sentido das transformações dos últimos anos se reforçará previsivelmente, acentuando-se a tendência da localização de novas unidades.

Assim, registam-se 37 novos projectos de EH em curso, com um total de 3190 novas camas fixas, o que mais que duplicaria a curto/médio prazo a oferta existente, pese embora a possibilidade do abandono de alguns destes projectos. Reforça-se igualmente o padrão de qualificação já evidenciado no perfil da oferta actual, uma vez que os EH de 4 e 5* representam 51% das unidades e 61% das camas projectadas.

Alterações da natureza e dimensão descritas terão efeitos difíceis de prever para o turismo e para o processo urbano da Baixa. Há uma evidente subutilização do edificado para a função residencial, tida como essencial na sustentabilidade das áreas urbanas históricas, défice que expõe um desequilíbrio na estrutura funcional do território e contrasta com o forte crescimento da oferta hoteleira.

*Artigo de Luís Portugal, Professor  e Coordenador da Área Científica de Planeamento Turístico na ESTHE

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